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sábado, abril 26, 2014

"Os animais são pessoas também"

Um pequeno documentário que acompanha o esforço do advogado Steven Wise para quebrar a barreira legal que separa os animais dos humanos.



 Um advogado pelos direitos jurídicos dos animais

Steven Wise, norte-americano, advogado, 61 anos. Este é o bilhete de identidade do fundador do Nonhuman Rights Project, uma iniciativa que pugna pelo reconhecimento dos direitos legais dos animais não humanos. Em nome desta causa, três casos correm já nos tribunais de Nova Iorque.

Nos Estados Unidos há um advogado com uma causa ímpar: a defesa dos direitos dos animais não humanos. Steven Wise é o fundador do Nonhuman Rights Project (NhRP), que lançou em 2007 e constitui a segunda vida do Centro para a Expansão dos Direitos Fundamentais, que criara em 1996.

Esta é uma causa que abraçou muito antes quando era um jovem advogado. Foi a leitura de “Animal Liberation”, do filósofo australiano Peter Singer e considerado a bíblia do movimento de libertação animal, que o despertou para a injustiça que se propõe combater: “Percebi que ninguém era tratado tão injustamente como os animais não humanos”, resume, em declarações ao Advocatus. “Porque haveria eu de me tornar advogado se não para combater a injustiça?”.

É esta a razão de ser dos movimentos que lançou: são – diz – um veículo para uma campanha de litigação em prol do reconhecimento da personalidade jurídica de, pelo menos, alguns animais não humanos.

E quando diz “pelo menos alguns” refere-se a grandes macacos, cetáceos e elefantes. Steven Wise acredita que existem fundamentos científicos e jurídicos para a atribuição de direitos a estas espécies e é com eles que esgrime em tribunal. Três processos foram já interpostos em Nova Iorque, incluindo um pedido de habeas corpus. Em nome de chimpanzés. E que o advogado justifica assim: “Há centenas de anos de história de casos que são interpostos por terceiros que acreditam que outros estão injustamente detidos. Nós compreendemos as necessidades dos chimpanzés. E compreendemos que nenhum chimpanzé desejou estar aprisionado numa pequena jaula”.

Steven Wise rejeita qualquer conotação do seu projeto com organizações de defesa dos animais. O que está em causa não é – argumenta – a proteção dos animais, relativamente, por exemplo, a sua sobrevivência. O que está em causa é – sublinha – a reivindicação de que alguns animais não humanos sejam considerados pessoas jurídicas com direitos legais.

É isto também que ensina. Quer como professor - de “Jurisprudência dos direitos dos animais” na Vermont Law School e de “Legislação dos direitos dos animais” na Harvard Law School. Quer como autor – de “Rattling the Cage – Toward Legal Rights for Animals”, “Drawing the Line – Science and the Case for Animal Rights”, “Though the Heavens May Fall – The Landmark Trial That Led to the End of Human Slavery” e “An American Trilogy – Death, Slavery, and Dominion Along the Banks of the Cape Fear River”.

Sempre investido de uma missão: derrubar a parede que separa os animais dos humanos. Uma metáfora – explica – para “a divisão que o sistema legal faz do mundo entre pessoas jurídicas, o que inclui todos os animais humanos, e coisas, o que inclui todos os animais não humanos”.

Para derrubar essa parede recorre à jurisprudência e aos processos judiciais: “Somos uma força de reforma conservadora, não radical”.

DISCURSO DIRETO
“A luta começou”
Advocatus | Quais os objetivos do Nonhuman Rights Project (NhRP)?
Steven Wise | O NhRP procura persuadir os tribunais de que pelo menos alguns animais não humanos são pessoas jurídicas com a capacidade de possuir direitos legais e entre eles estão direitos que protegem interesses fundamentais como a liberdade e a integridade.

Advocatus | Refere-se a pelo menos alguns animais. Isso significa que nem todos têm direitos juridicamente falando?
SW | Garantidamente os grandes macacos, os cetáceos e os elefantes possuem a autonomia e a dignidade suficientes para serem considerados pessoas jurídicas. De momento, nenhum animal não humano tem direitos legais. A luta para que sejam vistos como pessoas jurídicas com direitos legais começou.

Advocatus | Existem fundamentos científicos para esta reivindicação?
SW | Todas as nossas alegações se fundamentam inteiramente em factos científicos. O NhRP reuniu mais de 100 páginas de depoimentos de alguns dos principais investigadores sobre chimpanzés no mundo, os quais sustentam a nossa argumentação de que os chimpanzés são autónomos. Convido os seus leitores a visitarem www.nonhumanrights.org, onde podem ler esses testemunhos.

Advocatus | E fundamentos jurídicos?
SW | O NhRP argumenta que animais não humanos como os chimpanzés, sujeitos dos nossos recentes processos de habeas corpus, têm direito a personalidade jurídica pelas mesmas razões que os humanos: possuem autonomia e dignidade.

Advocatus | Como é que se propõe mudar convencer os tribunais?
SW | Interpondo processos judiciais. Primeiro, propomo-nos persuadir os tribunais a reconhecer que pelo menos alguns animais não humanos são pessoas jurídicas, com capacidade para ter direitos legais. Depois, pretendemos litigar em torno desses direitos.

Advocatus | Como é que a vossa ação foi recebida no mundo jurídico?
SW | A nossa litigação teve uma receção extraordinariamente positiva. O que não nos surpreendeu, pois passámos 30 mil horas a prepará-la.


www.advocatus.pt


Steven Wise: Em defesa dos direitos dos não humanos

sábado, fevereiro 15, 2014

O que são Direitos Animais?


(Material elaborado e divulgado pelo Grupo pela Abolição ao Especismo de Porto Alegre, a partir dos sites: www.direitosanimais.org e www.gaepoa.org)

A teoria dos Direitos Animais existe para nos ajudar a decidir quando estamos certos e quando estamos errados em nossa relação com os outros animais. Ela é absolutamente simples. Ela pode ser aplicada por qualquer um, independentemente de credo, etnia, condição financeira, orientação sexual ou posicionamento político. E ela deve ser aplicada por quem acredita no respeito e na justiça.

Por que devemos basear nossa ética em direitos?
Para decidir se uma ação é certa ou errada, não basta olhar para o quão felizes ou tristes ficam os indivíduos envolvidos. É claro que isso é importante – mas apenas uma vez que temos certeza de que ninguém está tendo algum direito básico seu violado.
Por exemplo, se nos pedem para julgar moralmente um estupro, a última coisa que nos ocorre é se foi bom para o estuprador. Seria muita ousadia ele se virar para o juiz e dizer "Acredito que o prazer que eu senti excedeu o desprazer da vítima, de modo que minha ação aumentou o nosso bem-estar total. Então eu não só agi certo, como estaria errado caso não a tivesse estuprado!".
Considerações a respeito do bem-estar dos envolvidos simplesmente não têm qualquer relevância quando a questão envolve uma violação de direitos. Por exemplo, no caso do estupro, a vítima teve um direito seu violado – o de não ser dominada por ninguém.

Mas afinal de contas, o que é um direito?
Um direito é uma barreira que protege um interesse fundamental seu da ação de terceiros. Ninguém pode violar um direito seu simplesmente alegando que isso o deixaria mais feliz. Nem sempre um direito é garantido por lei. Mas, mesmo na ausência do direito legal, você ainda pode ter um direito mais importante, um direito moral. Por exemplo, você tem um interesse fundamental em que as outras pessoas não te matem (pois, se o fizerem, seus outros interesses deixarão de fazer sentido). A esse seu interesse fundamental está relacionado o seu direito à vida, um direito moral. E as pessoas têm e sempre tiveram esse direito, independentemente do que diziam as leis e os costumes da região e da época em que vivem ou viveram.
Duas observações são importantes para o bom entendimento dos direitos. A primeira é que, ao direito de um, corresponde o dever do outro de respeitar esse direito – no caso de esse “outro” ser um indivíduo que possa ser responsabilizado pelos seus atos (um humano adulto com plenas faculdades mentais). Logo, não se pode dizer que você tem o direito de não ser atingido por um raio, já que não há alguém a quem reclamar tal direito. Tampouco se pode dizer que você tem o direito de não sentir o cheirinho daquilo que o bebê deixou em sua fralda: é só um bebê; é difícil responsabilizar qualquer um por isso.
A segunda observação é que a possibilidade da violação ética de direitos existe, sim – mas apenas em casos em que há um conflito entre os direitos morais de dois ou mais indivíduos. Por exemplo, alguém apontando uma arma para a nossa cabeça e pedindo que escolhamos entre a vida de uma pessoa e a de outra (construir exemplos práticos já é mais difícil). Mas o conflito precisa ser entre interesses genuinamente fundamentais e que gerem direitos morais.
Um exemplo pode ilustrar a importância dessas observações: imagine que dois filhos do seu vizinho nasceram com uma doença desconhecida. Ele, então, raptou a sua filha para lhe servir de cobaia em experimentos que terminaram por ajudá-lo a descobrir uma cura para a doença dos seus meninos. Isso se justifica? Se o seu vizinho tiver lábia, talvez até consiga convencer algumas pessoas de que sim, dizendo saber que se tratava de um conflito de interesses fundamentais, mas que sua pesquisa acabou por preservar o interesse do maior número de pessoas. Ele só não convenceria você nem ninguém que percebesse que, enquanto o interesse fundamental da sua filha em não ser dominada gerava um direito, o interesse fundamental dos filhos do vizinho em ter uma vida feliz não geravam um direito, já que sequer haveria alguém junto a quem reclamá-lo. E muito menos esse alguém seria sua filha ou você. Tanto é que seu vizinho precisou raptar sua filha, ele não simplesmente bateu à sua porta e disse “Olá, vizinho, tudo bem? Vim tomar o que é meu de direito. Com licença, sim?”.

O mais básico de todos os direitos
Ao longo da História, seres humanos inocentes dos mais diversos credos, etnias, gêneros, posições sociais, convicções políticas e orientações sexuais foram perseguidos, escravizados, torturados, humilhados, estuprados e assassinados. Tudo isso fere um direito moral básico de todos os seres humanos: o direito de não ser considerado propriedade.
Ser considerado propriedade significa ser considerado recurso. Coisa. Escravo(a). Apenas um meio para os fins dos outros. Algo sem interesses próprios, ou ao menos não interesses que mereçam ser protegidos por direitos. Assim se justifica praticamente qualquer coisa que possa ser feita com a propriedade. Por um lado, esta não tem direitos. Por outro, o proprietário possui direito legal justamente sobre sua propriedade. O resultado é que os interesses do proprietário – por mais banais que sejam – sempre prevalecerão sobre os interesses da propriedade – por mais fundamentais que sejam.
Mas como é que sabemos que todo ser humano possui o direito de não ser considerado propriedade? Pelo seguinte: seres humanos possuem a capacidade biológica de sentir dor. A dor nada mais é que um mecanismo de preservação da vida. Logo, cada humano preza sua própria vida. Mas de nada adianta ele estar vivo se sua vida não lhe pertence. Se sua vida pertence aos outros, ele não poderá escolher sobre seu próprio destino e nem terá domínio sobre o seu próprio corpo.
E mais: todos os seus interesses vão por água abaixo quando seu direito de não ser propriedade não é respeitado. Não só porque esses interesses podem ser violados (pois uma propriedade não tem quaisquer direitos), mas porque eles serão violados (um ser só é transformado em propriedade se, para começo de conversa, alguém enxergou em sua exploração alguma possibilidade de benefício pessoal).
Quando você é propriedade, você não precisa ser respeitado(a) enquanto indivíduo. Suas relações afetivas com sua família podem ser interrompidas a qualquer momento. Você pode ser violentado(a) sexualmente. Pode ser ameaçado(a). E será descartado(a) assim que perder a utilidade para os outros. Em suma: talvez pior que simplesmente se tirar a vida de um indivíduo seja lhe roubar a vida para si. É por isso que o direito de não ser propriedade pode ser considerado o mais básico de todos os direitos.

Quem tem o direito de não ser considerado propriedade?
Repare na argumentação no item anterior. O direito básico de não ser considerado propriedade decorreu unicamente da capacidade de sentir dor, também conhecida como senciência. A conclusão imediata é que todos os seres sencientes têm o direito de não serem considerados propriedade. E quem é senciente?
Essa categoria inclui não só os animais humanos, mas também os não-humanos, que também sentem dor. Vacas, ratos, araras, cachorros, elefantes, cavalos, todos eles têm o direito moral de não serem propriedade, pelo exato mesmo motivo que humanos o têm. Isso significa que temos a obrigação moral de respeitar praticamente todos os animais, e não os enxergar como nossos recursos, meios para os nossos fins.
Infelizmente, hoje em dia, vacas são consideradas animais “para fins de alimentação e vestuário”, ratos são animais “de laboratório”, araras e cachorros são animais “de estimação”, elefantes são animais “de circo”, cavalos são animais “de tração” etc. Ou seja, botamos nos animais não-humanos apelidos que denotam sua principal utilidade para nós. Violamos seu direito mais importante, o de não serem considerados propriedade. É por isso que podemos afirmar que a escravidão nos dias de hoje continua mais forte do que nunca.

Colocando a teoria em prática
Agora que já entendemos que os animais não-humanos não pertencem aos humanos, do mesmo jeito que os negros não pertencem aos brancos e as mulheres não pertencem aos homens, a pergunta natural é: como fazemos para respeitá-los?
Só para clarear as ideias, pensemos no caso dos escravos africanos no Brasil colonial. Imagine que você fosse um europeu do século XVI. Como você faria para respeitar esses seres sencientes que, apesar de terem o direito moral de não serem propriedade, não tinham a contrapartida legal desse direito? Bom, em primeiro lugar, você não seria um(a) senhor(a) de escravos, claro. Mas isso adiantaria de algo se você continuasse a consumir o açúcar produzido com mão-de-obra escrava?
Não. Para o escravo, não faz diferença nenhuma quem está segurando o chicote, se você ou outra pessoa. Ao engrossar a demanda por um produto que venha da escravidão, damos o nosso próprio aval para que a escravidão continue, firme e forte. Não somos nós que seguramos o chicote – mas somos nós que colocamos o chicote na mão do capataz. Por outro lado, se você optasse por boicotar aquele produto, você conseguiria mostrar sua oposição à instituição escravocrata, e ajudaria a torná-la menos forte e legítima. E, com certeza, menos indivíduos teriam que ser escravizados para suprir a menor demanda.
O tempo passou, mas a lógica continua a mesma. A única maneira de combatermos a escravidão legalizada de hoje, a dos animais não-humanos, é nos recusando a consumir produtos provenientes dela: carnes, laticínios, couro, animais “de estimação”, produtos testados em animais, ingressos de zoológico etc. Essa ideia revolucionária é chamada de veganismo. É, por definição, a melhor maneira de respeitarmos os animais.
É bom notar que não é nenhuma espécie de santidade da nossa parte que os outros animais requerem. Nós tampouco somos santos(as) em nossas relações com os outros humanos: é difícil encontrar alguém que verdadeiramente considere de maneira igual os interesses dos outros e os seus próprios. Mesmo assim, respeitamos as outras pessoas, não violamos seus direitos morais a torto e a direito (encontrem estes contrapartida legal ou não). E os animais não-humanos também não pedem nada além do nosso respeito.
Assim, a teoria dos Direitos Animais, também chamada Abolicionismo, constitui um movimento que luta contra qualquer uso de animais não-humanos que os transforme em propriedades de seres humanos, ou seja, meios para fins humanos.


1.Como vocês podem falar em nome dos animais? Como vocês podem saber o que eles querem ou deixam de querer?
De fato, nós não conhecemos as preferências de ninguém. Nós não sabemos se você gosta de rock, axé ou música gospel. Mas sabemos que não deseja ser dominado(a) por ninguém, e que isso você não troca por nada. Sabemos disso mesmo sem conhecê-lo(a), e o sabemos por você ser um ser senciente. Não faria sentido que alguém dotado da capacidade de sentir dor não prezasse a própria vida. E não faria sentido que alguém que preza a própria vida admitisse sem qualquer problema que sua vida fosse entregue a outro, que pudesse fazer com ele o que quisesse.

2.Serão só os sencientes portadores do direito de não ser considerados propriedade?
Vimos que todo ser senciente possui esse direito. E quanto aos não-sencientes?
 

É um tanto ilógico imaginar que o processo evolucionário tivesse privado um ser que preza a própria vida de um mecanismo básico de preservação da mesma, como a capacidade de sentir dor. Assim, é bastante natural enxergarmos seres sencientes como os únicos que prezam sua própria vida, logo os únicos que carregam o direito moral de não serem considerados propriedade.

3.Plantas não prezam a própria vida? Se prezam, isso quer dizer que as pessoas têm que ser não só vegetarianas, mas frutarianas?

Nada indica que plantas sejam sencientes. Como elas não possuem sistema nervoso, seria necessária uma explicação metafísica para dar conta de seu potencial de sentir dor. Mas isso não tem nada a ver com o que é um fato consumado: animais são seres sencientes. Administra-se anestesia a cães antes de uma cirurgia – mas não se administra anestesia a plantas antes de uma poda. Não há qualquer estudo científico concluindo que as plantas são seres sencientes.

4.Existem animais não-sencientes? Existem indivíduos que não são animais, mas são sencientes?

Esponjas são classificadas como animais, mas não são sencientes, pois, assim como as plantas, não possuem nenhum resquício de sistema nervoso. Não se conhecem seres sencientes que não pertencem ao reino animal. De qualquer modo, não há dúvida de que os animais que exploramos cotidianamente são sencientes. Consequentemente, é nosso dever respeitá-los.

5. Insetos são sencientes? Como isso afeta a prática do veganismo?

Sim. Insetos claramente prezam sua própria vida, e devem ser respeitados por nós. Isso significa, por exemplo, que não devemos roubar a comida que as abelhas fabricam para sua comunidade, o mel. Também que podemos afastar as baratas que porventura surjam em nossas casas simplesmente as cobrindo com uma lata, passando uma folha de papel embaixo, e liberando-as do lado de fora. Quanto às formigas que andam na rua, é lamentável, mas inevitável, que acabemos matando algumas. Só não precisamos pisoteá-las de maneira intencional. Não é porque não conseguimos fazer tudo que não vamos fazer o que está absolutamente ao nosso alcance.

6. As pragas das lavouras não prezam a própria vida? E aí, como fica?

Sim! Se é essa sua preocupação, você pode tentar priorizar frutas, verduras, legumes e tubérculos produzidos sem inseticidas (orgânicos), e de preferência, em uma fazenda de alguém que respeita os animais. O(a) fazendeiro(a), se quiser, pode fazer uso de espantalhos, homeopatia, barreiras físicas, usar repelentes sonoros, e também pode fazer rotação e planejamento agroecológico das suas culturas como medida preventiva para que outros animais não se fixem ali e se aproveitem de sua produção. É impossível reduzir o número desses animais a zero – mas isso tampouco é necessário. Também seria interessante se as ferramentas desse(a) fazendeiro(a) fossem desenhadas para não matar minhocas. E, mais importante, que o adubo não contenha esterco. Se você conhece um(a) produtor(a) com essa preocupação, por favor nos avise! O(a) produtor(a), ou mesmo você que quer praticar horta urbana no seu quintal, pode encontrar recomendações e critérios para uma lavoura vegana orgânica em www.veganorganic.net.

7.Vocês dizem que o problema todo é que enxergamos os animais como nossa propriedade, de modo que os humanos podem fazer virtualmente qualquer coisa com os não-humanos. Mas e quanto aos animais na natureza, estes também são considerados propriedade?

Sim. E por dois motivos. Um deles é que eles pertencem ao governo (humano, claro) do país em que se encontram. O governo pode mandar que qualquer coisa seja feita ou deixada de fazer com eles. O segundo motivo é que a primeira pessoa que conseguir dominá-los será considerada sua proprietária. É assim, por exemplo, com a caça e pesca esportiva. Se queremos reconhecer o direito mais básico dos outros – o direito de não serem considerados nossa propriedade – nós temos que simplesmente deixá-los em paz, deixá-los viver a sua vida naturalmente, de acordo com suas próprias preferências.

8.Se nós não explorássemos os animais, talvez eles sequer existiriam. Por exemplo, se todas as pessoas do mundo virarem veganas, bois e cachorros provavelmente entrarão em extinção. Isso não será uma maldade que fazemos com eles?

Você está com a razão em relação ao fato de que o número de indivíduos dessas espécies ficará extremamente reduzido. Então provavelmente algumas pessoas se dirão preocupadas com a extinção dessas espécies. Mas é bom notar, em primeiro lugar, que animais que foram afastados da natureza (caso dos bovinos), bem como aqueles que foram inventados pelo ser humano e nunca tiveram uma natureza (caso dos cachorros “domésticos”), não têm qualquer função na natureza. Salvo um ou outro touro selvagem e cachorro-do-mato, os indivíduos dessas espécies não estão mais na natureza, de modo que sua extinção não desequilibrará o meio ambiente. Em segundo lugar, é bom lembrar que espécies não têm direitos. Só pode ter direito um ente que possui um interesse a ser protegido por tal direito. E só têm interesses os indivíduos, não as espécies. Assim, não há nenhuma maldade na proposta vegana (muito pelo contrário, há um profundo respeito por todos os indivíduos). Em terceiro, lembremos que o mundo vai se tornando vegano aos poucos, cada vez que uma pessoa decide se tornar vegana. À medida que isso acontece, a oferta de produtos animais também vai diminuindo, e menos escravos vão sendo trazidos à existência. Mas, num caso absurdo em que todos os(as) não-veganos(as) do mundo num belo dia tivessem um despertar de consciência e decidissem se tornar veganos(as) na mesma hora, teríamos que cuidar de todos os bois e cachorros já existentes para que tivessem uma vida digna até sua morte natural. Alguns animais possivelmente ainda poderiam ser reintroduzidos na natureza, outros não. Mas o que lhes importa não é se sua espécie entrará ou não em “extinção”, mas sim se eles mesmos continuarão existindo para satisfazer aos outros ou se suas preferências começarão a ser levadas em conta.
Aliás, cuidado para não cair no engodo da “extinção”! Esse termo costuma ser empregado por alguns ambientalistas como sinônimo perfeito de “escassez”. O objetivo dessas pessoas ao buscar regular (ou coibir em determinados períodos) a matança, apropriação e/ou venda de animais de determinadas espécies é que esses “recursos” naturais dos seres humanos (os animais não-humanos) não se percam. Isso garante o “direito natural” das futuras gerações humanas de se aproveitarem dos animais como nos aproveitamos hoje em dia (ou também de outras maneiras que ainda não foram descobertas). Para eles, o que importa é o número de exemplares da espécie, e não cada indivíduo dela.


9.Eu concordo que devemos evitar o uso de animais, mas às vezes esse uso é tradicional dentro de uma cultura. O que é pior, sacrificar uma galinha ou sacrificar uma cultura?

Sacrificar uma galinha. Os hábitos da humanidade têm que evoluir à medida que sua moralidade evolui. Nós temos que incorporar, e não moldar, nossos princípios à nossa cultura. É bom lembrar que a cultura não é estática, é dinâmica.

10. Mas e quanto a culturas que ainda vivem de caça e pesca, como esquimós e índios? Elas devem ser orientadas para abolirem as práticas envolvendo animais?

A resposta da pergunta anterior vale para todos igualmente, mas devemos pensar primeiro no que nós devemos fazer, para depois pensar no que os outros podem fazer. Mas sem dúvida, a exploração de animais, assim como de mulheres ou de prisioneiros de guerra não pode ser justificada com frases como “Sempre foi assim”. Deveremos chegar num momento em que seja necessário o diálogo entre culturas – o que nada tem a ver com imposição cultural.

11. Já ouvi dizer que, nos primórdios, nosso cérebro evoluiu graças a nossa alimentação onívora. Será que eliminarmos a carne do cardápio neste estágio não vá resultar numa involução da nossa espécie, no longo prazo?

É impossível comprovar a teoria de que comer carne desenvolveu nosso cérebro. Como dizer que não foi a necessidade de inventarmos novas armas ou planos para capturar animais para comermos que o desenvolveu? Mas, mesmo se acreditássemos nessa teoria, não poderíamos dizer que, se o homem se tornar vegetariano, ele ou seus descendentes poderão ficar menos inteligentes. O certo é que hoje é possível obtermos todos os nutrientes de que precisamos a partir da dieta vegetariana – o que era bem menos fácil na pré-História.

12. É dificílimo eliminar por completo da minha lista de compras produtos de empresas que fazem testes em animais. Isso significa que não posso me considerar vegana, ou pelo menos não 100%?

Não! Ser vegano significa buscar não colaborar com a escravidão. Não conseguimos fazer isso em 100% das situações, mas isso não nos torna menos veganos(as). O importante é termos clareza das implicações de tudo o que consumimos, e sempre buscarmos melhorias. Em geral, aprendemos bastante com outras pessoas veganas, que podem conhecer um substituto mais ético para um produto que estávamos acostumados a consumir.

13. É impossível ser vegano 100% do tempo. Ouvi dizer que até na borracha do pneu do ônibus que eu tomo vai gelatina.

É verdade. Mas, se você deixar de tomar esse ônibus, a empresa de pneus vai entender que você não quer que ela use gelatina no pneu? Bem pouco provável. Por outro lado, quando deixamos de consumir laticínios (por exemplo), o recado que estamos dando para o explorador é direto. Se as vendas de queijo diminuem hoje, a produção diminuirá amanhã, e menos animais terão de ser trazidos à existência para nos servir. Toda e qualquer iniciativa no sentido de boicotar a escravidão é positiva – mas há de se relevar a efetividade desse boicote, ou seja, se a ideia dos direitos animais está realmente sendo transmitida e absorvida.

14. Se algum dia eu for atropelado, devo pesar igualmente os meus interesses e os interesses dos animais que foram torturados para a fabricação das drogas que vão me aplicar no hospital? Isto é, simplesmente recusar o tratamento, e morrer? Até onde deve ir o nosso respeito pelos outros?

É absolutamente compreensível que, em casos em que algum interesse fundamental nosso esteja em conflito com o de outros (sejam não-humanos ou humanos), tendamos a priorizar o nosso. Mas nem por isso que somos a favor da exploração institucionalizada dos outros. A única situação moralmente aceitável seria se ninguém tivesse sido sacrificado para se desenvolverem as drogas que poderão te salvar no caso do atropelamento (como no exemplo do vizinho já mencionado). Mas, infelizmente, você não pode mudar o passado, apenas o futuro. Assim, não há nenhuma incoerência em você, por um lado, aceitar o medicamento que vai aliviar sua dor e salvar sua vida, e por outro, lutar para que cessem já os testes em animais. A melhor maneira de fazer isso é simplesmente se cuidar, para que o seu uso cotidiano de remédios seja o menor possível.

15.Vocês devem saber que nem todos acreditam em direitos. Para alguns filósofos morais, o que importa é apenas a minimização da dor em todos aqueles que podem senti-la. O que vocês têm a dizer sobre isso?

Que é claro que menos dor é melhor do que mais dor, qualquer um sabe disso. Se as questões concernentes à nossa relação com os demais animais não envolvessem interesses que de outra dimensão que o interesse em não sentir dor, nós realmente não precisaríamos falar de direitos, apenas de maximização de bem-estar. Mas esse não é o caso, como explicado anteriormente. Sob uma ótica utilitarista (uma que desconsidere direitos, por considerar que todos os interesses são comensuráveis), diversas violações abomináveis de direitos podem ser justificadas, não só entre humanos e não-humanos, mas também entre humanos e humanos. Não podemos aceitar que o utilitarismo seja a matriz ética da nossa sociedade.

16. Às vezes, vemos pessoas e grupos que se dizem defensores dos animais, mas não os vemos procurando romper com esse paradigma da propriedade, apenas buscando regulamentar como os animais podem ser explorados por nós. Isso não vai contra toda a teoria de vocês, de respeito pelos animais?

Sim. Esses tais “defensores dos animais” não questionam o uso em si dos animais, mas sim o tomam como uma premissa. Na verdade, eles são tudo com que poderia sonhar o explorador. Nada melhor que pessoas e grupos que posam de “defensores dos animais” colocando para a sociedade que existem maneiras erradas (e, consequentemente, uma maneira correta) de usarmos os animais. Essa é a maneira mais segura de garantir a perpetuação da escravidão. Basta fazer pequenos ajustes de tempos em tempos nos seus detalhes para que as pessoas sempre renovem sua percepção de que ela é natural e aceitável.

17. Eu concordo com vocês que devemos respeitar os animais, mas minha situação financeira não acomoda bem o vegetarianismo. O que fazer?

Se sua situação financeira não acomoda bem o vegetarianismo, ela também não deve acomodar bem o onivorismo. Ou talvez você ainda não tenha se dado conta de como é fácil e barato ser vegetariano(a). Quando uma pessoa se torna vegetariana, ela começa a descobrir todas as gostosuras que estava perdendo quando era onívora. Mas nenhum(a) vegetariano(a) é obrigado(a) a comer carne de soja, tofu, ou alimentos vegetais exóticos. A porção vegana da culinária brasileira, além de usualmente barata, é riquíssima do ponto de vista nutricional.

18. Eu como na rua quase todo dia, assim ficando quase impossível de eu não comer produtos de origem animal. Alguma dica?

É muito fácil encontrar restaurantes por quilo não-vegetarianos em que vegetarianos(as) podem se deliciar. A primeira pergunta costuma ser se o feijão leva carne. Se eles te assegurarem que não (lembre a eles que bacon, por exemplo, é um tipo de carne), e que não foi nem “só cozido” com carne, nem levou algum caldo ou gordura animal, você deve estar num lugar confiável. Às vezes alguma coisa pode levar manteiga ou ovo e não aparentar. O importante é perguntar sempre.

19.Animais matam animais na natureza, essa é a ordem natural das coisas. Por que vocês querem romper com isso? Por acaso vocês também propõem ao leão parar de explorar a leoa e de comer a zebra?

Se nós somos agentes morais, não há por que basearmos nossa ética nos princípios morais do leão em detrimento dos nossos. Aliás, um leão nem pode ser vegetariano na natureza, pois, diferentemente de nós, alguns dos aminoácidos que lhe são essenciais (seu organismo não os consegue produzir) não são obteníveis a partir dos vegetais. O fato de que as pessoas podem ser veganas sem qualquer prejuízo à sua saúde é fundamental para que o vegetarianismo seja considerado a prática alimentar do indivíduo vegano, aquele que respeita os animais.

20. Concordo com a ideia de que os animais devem ser bem tratados, mas acho um tanto exagerada a ideia de que não devemos sequer tratá-los. Eu mesmo crio alguns animais, e posso lhes assegurar que eles têm uma ótima vida.

Qualquer criação de animais não-humanos, seja ou não voltada para o comércio, tem como motivação única o bem-estar de algum humano. Não há nada pior que domesticar um animal. Se o ser humano resolveu se separar da natureza e viver numa selva de pedra, tudo bem – mas nem por isso os outros animais têm que fazer o mesmo. Deixemo-los livres de uma vez por todas – não forçando sua procriação para que suas crias sirvam algum interesse nosso. É lógico que é melhor sermos senhores(as) de escravos bonzinhos do que senhores(as) de escravos vis – mas mesmo nesta situação não deixamos de ser escravos.

21. E quanto a ter animais domésticos, isso é errado?

A existência de animais “domésticos” sem dúvida é um grande problema. Não importa o quão bem nós os tratemos, eles sempre estarão limitados por nossas vontades. Diferentemente das crianças humanas, eles para sempre comerão na hora em que nós quisermos, farão suas necessidades na hora em que nós quisermos, sairão para passear (no caso de cães) na hora em que nós quisermos. Sem exceção, sejam cães, gatos, pássaros ou peixes, ou sua liberdade lhes foi roubada (no caso em que eles foram capturados de um ambiente natural), ou a liberdade de seus pais foi roubada (no caso em que eles nasceram em cativeiro). Nesse último caso, laços familiares também foram rompidos. E não temos que continuar dando nosso dinheiro a gente que faz barbaridades como essas. Por isso, não devemos comprar animais.
Mas é lógico que, quando adotamos um animal abandonado, não estamos dando nenhum suporte à escravidão, mas sim nos comprometendo a dar uma vida o mais decente possível a um indivíduo que já se encontra numa situação de dependência – e isso é ótimo. É importante não nos esquecermos de castrá-lo, a fim de frearmos o uso de animais para entretenimento humano.


22. A carne que eu compro é de um bicho que já foi explorado e morto. Não fui eu quem o escravizou e matou. Assim, não sou eu quem tem de mudar, mas sim os exploradores!

Na verdade, a responsabilidade maior deve recair sobre o consumidor, não sobre o produtor. O último é apenas o executor do crime moral – o primeiro é o mandante. Os(as) produtores(as) só exploram animais porque é o que precisa ser feito se nós queremos continuar tendo a possibilidade de ter animais “de estimação”, queijos-quentes ou gravatas de seda. No momento em que nós não quisermos mais essas coisas e quisermos outros produtos que não envolvem desrespeito, gradualmente ocorrerá um deslocamento do setor escravocrata da economia para setores não-escravocratas, ou mesmo uma mudança dentro do setor até então escravocrata (hoje, no Brasil, grandes cadeias de alimentos a base de carne animal já possuem linhas a base de soja).

23. O que cada um come é uma opção pessoal. Vocês não têm o direito de me dizer o que devo e o que não devo comer!

É verdade, não temos esse direito. Apenas note que, se você se opõe à escravidão, seria uma grande incoerência você comprar ou usar alimentos de origem animal, já que estes necessariamente provêm da escravidão. Logo, coma o que você quiser – mas seja vegetariano(a).

fonte 

segunda-feira, agosto 06, 2012

Os animais têm direitos?

Evolução moral das sociedades humanas, a questão relativa á inclusão dos animais não só na esfera do direito moral mas também na vertente deontológica, até pode parecer disparate, mas... atentem o seguinte:
"... de facto, no passado usou-se efectivamente a ideia de «Direitos dos Animais» para parodiar a defesa dos direitos das mulheres. Quando Mary Wollstonecraft, uma precursora das feministas posteriores, publicou em 1792 " Uma Defesa dos Direitos das Mulheres, as suas ideias foram vistas por muitos como absurdas e foram satirizadas numa publicação anónima intitulada " Uma Defesa dos Direitos das Bestas..."
Perspectivas e argumentos de Pedro Galvão

É claro que está implícito que a batalha que travavam pelos direitos das mulheres encontravam dificuldades em tudo semelhantes aquelas que nós DdA's temos quando falamos sobre direito Animal, na verdade hoje, tirando algumas situações de foro cultural e outras de caracter social que trazem prejuízo para o sexo feminino de forma injusta, é aceite que não existem diferenças entre homem e mulher, têm os dois além do mesmo estatuto moral as mesmas oportunidades (ainda que na prática ás vezes não seja assim, era assim que deveria ser).

Não tenho duvida que a evolução da conduta ética dos povos caminha no sentido de uma maior responsabilização relativamente aos animais, acredito que cada vez mais se ajuste a nossa acção tendo em conta as características intrínsecas do indivíduo e não a validação da acção pelo facto de ele não ser da nossa espécie, isso é para mim claro que é cada vez mais irrelevante, tendo em conta a maior informação disponível sobre esses mesmos indivíduos .

Para ser justo e racional nas minhas acções, para agir de forma compassiva e altruísta tenho de ter em conta todos os pressupostos de identificação do sujeito, daquele que será alvo da minha acção.

Defender a equidade entre humanos e não humanos é facilmente defensável á luz dos principios universalizaveis de uma ética clara , que tem em conta a principal característica de defesa racional de um ser... a senciencia.
Morato Barros

domingo, março 04, 2012

Cábula para o especialista instantâneo em direitos dos animais

 Os preconceitos alastram ao sabor do zeitgeist e uma vez estabelecidos, passam a fazer parte do senso comum e deixam de ser questionados. Neste artigo, Cristina DʼEça Leal e Pedro Ribeiro procuram desmontar algumas dessas “ideias feitas”.


Quando se fala de direitos dos animais, devíamos primeiro definir o que é um animal para sabermos do que cada um está a falar. É curioso, porque devíamos estar a falar do mesmo, ou seja, tudo o que faz parte do mundo físico e não é vegetal nem mineral. Nesse plano, estamos na mesma categoria do símio, do rinoceronte, do touro, do cão, da águia, da truta, da libélula, da ostra.

A História prova até à exaustão que a fronteira que as classes dominantes marcam entre os que consideram seus pares e os que não devem ser considerados sujeitos de direito é arbitrária e traçada de acordo com interesses de poder. Só entendendo isto poderemos entender a evolução imparável dos direitos dos animais (humanos e não humanos). E isto porque os argumentos para a discriminação negativa são invariavelmente os mesmos, independentemente da espécie, raça, credo ou género. As mulheres, os negros, as crianças, os velhos, os pobres, os deficientes, os índios, os asiáticos, os judeus, os ciganos, os árabes, já estiveram do lado de lá da fronteira. Basicamente a razão ao longo dos tempos usada para não serem considerados é porque não eram/são iguais a "nós". Hoje em dia a fronteira está entre o homem e o macaco, embora este pertença inclusivamente à nossa ordem - dos primatas - ou seja, tenha muitos mais afinidades connosco do que com uma ostra mas, no entanto, continue excluído da nossa esfera de consideração moral.

Os preconceitos depois alastram ao sabor do zeitgeist e uma vez estabelecidos, passam a fazer parte do senso comum e deixam de ser questionados. Assim se fez com os cães e os gatos que passaram a ser protegidos, a ter um estatuto social diferente, muito embora em termos cognitivos e de senciência estejam ao mesmo nível de todos os que são dotados com um sistema nervoso central.

É fácil perceber que não existe qualquer razão científica para que assim seja; esta decisão é política e, como tal, contestável.

Walter Benjamin disse que toda a nossa civilização assenta em barbárie. Sendo isso verdade, tendo os humanos baseado a sua civilização em estratégias de domínio e subjugação, será errado querer mudar essa forma de estar no mundo? Não nos parece. Errado é persistir num modelo profundamente injusto.

Quais são os limites para os direitos dos animais?

O processo de estabelecer limites intermédios é algo que nos é habitual. Nesse processo deparamo-nos necessariamente com zonas cinzentas, de difícil consenso, mas isso não deveria impedir-nos de definir critérios mínimos de decência no que à moral diz respeito. Provavelmente não conseguimos consenso relativamente às abrangências do Sistema Nacional de Saúde, mas todos concordamos que não se devem eutanasiar pessoas por não terem dinheiro para pagar um tratamento caro, moroso e sem garantia de resultados.

Aceitamos a imposição de limites de velocidade, assentes em critérios altamente subjetivos.

Distinguimos os diversos tipos de homicídio, aplicamos-lhe variáveis como o dolo, a premeditação, a relação entre o homicida e a vítima, etc.

No entanto, estranhamente, no que concerne aos animais não humanos, tentamos colocar a questão no tudo ou nada, para melhor sacrificarmos os padrões mínimos de decência aos padrões máximos do purismo ético.

A vida de cada animal não humano é tão preciosa para ele como a nossa é para cada um de nós; o facto de trivializarmos a vida dos outros não muda isso.

Os animais não podem ter direitos porque também não têm deveres


Se este é um argumento válido, então teremos que retirar também os direitos aos fetos, às crianças, aos deficientes profundos, aos comatosos. Mas ainda por cima esta afirmação é de uma enorme perversidade porquanto os animais morrem aos milhões pelo que consideramos ser seu dever (sacrificamo-los na alimentação, no vestuário, no entretenimento, na educação, no apoio aos cegos, aos paraplégicos, na lavoura, no transporte, na investigação, na reabilitação, na segurança, na guerra).

Os animais têm direitos intrínsecos, não precisam da conceptualização do animal humano para atribuir-lhe direitos, papéis, nem nada que seja da nossa conveniência. O conceito de “direito” é frequentemente utilizado em função do proveito próprio. O humano é juiz em causa própria: somos nós que temos direitos porque somos nós a decidir.

Em termos objectivos, o erro torna-se claro. Os animais já cá existiam muito antes dos humanos como espécie. Na perspetiva evolutiva, a espécie humana é relativamente recente. Ainda assim, mesmo com o curto tempo de vida que a nossa espécie teve, conseguiu causar mais destruição no planeta do que todas as espécies de animais juntas em toda a sua existência. Invadimos os espaços naturais dos animais e usámo-los para proveito próprio, indiferentes ao direito intrínseco que têm à vida, o direito que lhes foi concedido mesmo antes da conceptualização humana de “direito”.

A questão está posta ao contrário: São os humanos que têm de repensar os deveres que têm para com os animais. Direitos, isso eles sempre tiveram.

Preocupam-se mais com os animais do que com os humanos

Algumas pessoas de facto viram-se para os animais de companhia por impossibilidade de se relacionarem com os humanos.

Mas muitos de nós decidem apenas lutar contra a injustiça, a desigualdade, o preconceito, a crueldade, a violência, a subjugação. Independentemente da identidade da vítima.

A fome dói o mesmo a um homem, a um cão ou a um cavalo. Mas o que pretendem os autores deste remoque não é que em igualdade de circunstâncias se prefira ajudar um membro da nossa espécie do que um gato. O que acham é que qualquer necessidade trivial humana tem que ser mais valorizada do que uma necessidade básica de qualquer outro animal.

É preciso compreendermos que quando damos algo a um animal não estamos a tirá-lo de um humano. Pelo contrário, uma sociedade que garante os direitos básicos dos seus membros mais vulneráveis, garante-os seguramente a todos que se encontram a montante.

Quando o Estado confere direitos aos animais está a tornar os cidadãos mais respeitadores também do seu semelhante e isto porque garante universalmente o direito à vida sem crivos discriminatórios e todos sabemos como os critérios da discriminação podem ser escorregadios, subjectivos e eticamente indefensáveis.

Perdem tempo a defender os animais quando há tantas crianças com fome

Como se o mundo funcionasse dessa forma: só podemos dedicar-nos a resolver um problema de cada vez e enquanto este não tiver assumido a perfeição, consensualmente aceite, não poderemos intervir em mais nenhum campo.

“Crianças com fome” é um chavão que causa sempre muito efeito, embora não queira dizer rigorosamente nada. Nós só podemos ajudar pessoas concretas, com problemas específicos: as crianças do orfanato x; a família y; os velhos do asilo z; os indigentes da nossa zona.

O facto de ajudarmos animais não humanos não nos coíbe de ajudar humanos; podemos – e muitos de nós fazem-no – ajudar uns e outros.

Esta frase só surge quando estamos a fazer algo pelos animais; curiosamente nunca é proferida quando alguém diz que foi ao teatro, à praia, ao cinema, à discoteca, ou está a ler um livro...

Também raramente é dita por alguém que presta serviço voluntário em qualquer área; é sempre arremessada por quem nada faz pelos outros

Há inúmeras entidades a providenciar ajuda aos humanos, com apoios do Estado, de empresas, das misericórdias; os animais não humanos estão no fundo da escala das nossas preocupações, não é bom que alguém se ocupe com eles?

Nem mesmo quem nada faz para acabar com a fome dos outros humanos é capaz de criticar os que se dedicam a prestar cuidados paliativos por considerar que há coisas mais graves por resolver, mas por alguma razão indignam-se com os cuidados prestados aos outros animais.

Resumindo: O indivíduo que critica não conhece o seu interlocutor; pretende apenas descredibilizá-lo. Não conhece as outras causas em que este possa eventualmente estar envolvido. Em termos sociais e políticos, os ativistas dos direitos dos animais estão frequentemente associados a iniciativas de defesa da igualdade, da solidariedade, da fraternidade e da paz. Isso contradiz objetivamente a falsa imagem do ativista dos direitos dos animais que descura o seu semelhante.

Podemos dispor dos animais porque eles são irracionais (ou inferiores)


Devemos desconfiar de sistemas de atribuição de valor à vida que se baseiam num conjunto de critérios que – por um feliz acaso – parecem coincidir com as nossas características enquanto espécie (como já foi pelas características de “raça” ou degénero). Em todo o caso é um grupo que detém o poder e determina quem é o “nós” e quem é o “outro”.

Mais uma vez, o caso de juízes em causa própria. Ser racional ou irracional não tem qualquer valor intrínseco, o valor é relativo. Neste caso, a racionalidade vale para quem usufrui dessa característica e é esse usufruto que determina a sua valorização, ao mesmo tempo que relega a irracionalidade para um plano inferior.

Num exercício de dialética, poderíamos de igual modo valorizar a irracionalidade e considerar o animal irracional superior, visto que ele sabe tudo o que tem de saber; no sentido inverso, é precisamente a capacidade de raciocínio que leva o animal homem a errar e a agir contra si próprio.

Inferioridade e superioridade são conceptualizações humanas, criadas a partir do vício de subverter o mundo segundo a nossa conveniência.

Os animais sofrem, mas não como nós


Estamos culturalmente condicionados para as relações que estabelecemos com os animais. Relativamente àqueles que consideramos utilitários não nos damos ao luxo de estabelecer qualquer relação afectiva, porque o distanciamento é fundamental para que eles continuem a ser utilitários e explorados. Quem convive de perto com animais e deixa cair a barreira do especismo, percebe que eles têm personalidades próprias e únicas. Deixam de ser os cães, para ser o Bobi ou o Piloto; deixam de ser os gatos para serem o Tareco e o Pantufa; deixam de ser os cavalos para ser o Trovão e o Índio. O primeiro passo para a descriminação e o preconceito é tratarmos os outros por um título genérico e criarmos um fosso entre nós e eles.

Historicamente, está bem documentado como começámos cada guerra ou cada perseguição (denominando o outro como os chinas, os amarelos, os mouros, os muçulmanos, os terroristas, os judeus, os pretos, os índios, como se uma única característica pudesse definir um grupo tão extenso e heterogéneo).

Se só pudesse salvar um, qual salvava: o seu cão ou uma criança?

É um dilema clássico, mas que de nada serve, porque uma situação excecional não pode constituir-se como modelo para situações não excecionais.

Se pudéssemos, qualquer um de nós trocaria a vida de um vizinho pela do nosso filho. Compreendendo esse impulso, os legisladores proíbem-nos de o fazer. Possivelmente alguns de nós trocariam a vida do filho do vizinho pelos olhos do nosso filho. Poucos trocariam a vida dessa criança por um rim do filho e seguramente que nenhum a trocaria para lhe evitar o incómodo duma operação ao apêndice.

Através deste exercício, percebemos que é natural a nossa preferência pelos que nos são próximos e que isso tem tendência a condicionar as escolhas morais que fazemos individualmente. Devíamos igualmente repensar os critérios que nos levam a preferir os membros da nossa espécie em detrimento das outras.

Têm a mania de pregar a sua superioridade moral e impor as suas ideias aos outros

Explorar e matar animais para fins triviais (como é a satisfação do paladar) só pode considerar-se errado ou certo; não pode ser uma questão de escolha pessoal ou de preferência cultural. Tal como na escravatura humana, na violência doméstica, no estupro, na pedofilia; considerar que no caso dos animais este princípio não se aplica, é puro especismo.

Não interessa há quanto tempo a humanidade explora e mata animais não humanos para alimentação e vestuário; interessa que hoje em dia sabemos que não é preciso fazê-lo. Qualquer pessoa sensata dirá que insistir em comportamentos que provocam sofrimento desnecessário não é aceitável. Deveríamos todos questionar-nos porque continuamos a infligir esse sofrimento e morte desnecessários. Perguntar a um vegan porque é que não faz parte deste ciclo de violência, é como perguntar a qualquer pessoa normal porque é que não viola, não mata, não abusa.

É importante não colocar o assunto no plano pessoal, porque não se trata aqui de julgamentos de valor sobre pessoas, mas sim sobre comportamentos.

Os esquimós não conseguiriam sobreviver sem carne

É esse o verdadeiro significado do termo “omnívoro”: conseguimos sobreviver com tipos de alimentos variados e os inuit só têm mesmo animais para se alimentarem..

Esta expressão não é usada meramente para constatar um facto; até porque nesse caso deveria ser acompanhada da conclusão de que os inuit têm uma esperança média de vida bastante baixa.

Curiosamente é usada para justificar o nosso consumo de carne no ocidente.

Comer carne é natural

Um exemplo clássico usado para contrariar esta ideia é o seguinte: experimente dar a uma criança um coelho e uma maçã; se ela comer o coelho e brincar com a maçã, este argumento deve ser considerado. De outra forma, não.

Nós vivemos num ambiente que é o oposto do “natural”, o que quer que isso signifique. Comprar num supermercado uma embalagem plástica com um pedaço de um cadáver envolto em película aderente é “natural”? Fumar cigarros é “natural”? Usar um computador ou um telemóvel é “natural”?

Natural é a evolução do indivíduo nos vários planos da sua vida: intelectual, moral, ético, afetivo. Em todas estas dimensões, abdicar do consumo de animais significa um passo evolutivo.

Então e também deveríamos proibir os leões de comerem carne?

Os leões não precisam de seguir os nossos códigos éticos porque não são agentes morais como nós.

Para além do mais, são carnívoros.

E as plantas, que também são seres vivos e sofrem?

A teoria da neurobiologia vegetal, ainda que sendo um objecto de estudo na especialidade, é amplamente refutada pela comunidade científica quando apresentada em moldes semelhantes à neurobiologia dos animais. É considerada uma antropomorfização e, por esse motivo, é consensualmente rejeitada por autoridades da área, como Amedeo Alpi, Gerd Jürgens, Ben Scheres, Chris Sommerville e 32 outros cientistas na publicação “Trends In Plant Science”.

Até podemos aceitar que se venha um dia a provar que as plantas são sencientes, mas já não podemos aceitar que se alegue uma remota eventualidade desse tipo para se justificar a exploração e morte de animais que, comprovadamente, o são. Podemos fazer um breve exercício de como se processaria a senciência nas plantas: pelas raízes, pelos ramos, pelas folhas? Onde estaria localizada a consciência para tratar a informação?

O sistema nervoso central ou sistemas análogos nalgumas espécies, está ligado à motricidade, o que faz todo o sentido, uma vez que constitui um fator fundamental para a sobrevivência do indivíduo. O stress causado pela dor leva a uma ação no sentido de a evitar; se não conseguir fazê-lo, volta-se contra o seu próprio organismo. Como as plantas não podem mover-se, a sensibilidade à dor seria uma causa permanente de stress que lhes retiraria vitalidade. A natureza é muito económica; não parece credível que as plantas desenvolvam características que só lhes podem ser prejudiciais, e que as mantenham ao longo do seu processo evolutivo.

De qualquer forma, para as pessoas que pensam que as plantas sofrem, continua a ser lógico seguir um regime vegetariano, pois poupariam assim uma enorme quantidade de plantas usadas para alimentar os animais com que nos alimentamos, num ratio muito desproporcionado.

Se não fosse para comer carne, porque é que temos caninos?


Associar os dentes caninos ao consumo de carne é uma falácia: há inúmeras espécies de animais herbívoros que também têm dentes caninos.

O nome dado a estes dentes leva a um processo mental em que automaticamente associamos esse dente ao consumo de carne. Porém, o nome foi dado devido à semelhança que têm com o formato dos dentes de animais carnívoros. São pontiagudos e evocam a imagem dos dentes dos canídeos, daí o nome. É, portanto, uma questão de forma, não de conteúdo.

Ainda assim, e abordando a questão da suposta propensão natural para consumir carne, os dados objectivos indicam que tal prática é fruto do fenómeno evolutivo, e não de uma necessidade que o ser humano efectivamente tenha. Com a evolução, o corpo humano passou por várias alterações fisiológicas. O apêndice, por exemplo, surgiu no homem como resposta evolutiva à ingestão de carne crua, de forma a facilitar a digestão das fibras animais. Após a descoberta do fogo e da sua utilização na alimentação, o apêndice perdeu gradualmente a sua utilidade e, atualmente, permanece no corpo humano como um resquício da infância da espécie humana. Assim, mais do que motivados por uma propensão natural irresistível, a nossa alimentação é composta por aquilo que escolhemos, de forma a promover uma vida saudável e positiva. O consumo de carne está associado a inúmeros tipos de patologias, que vão desde os problemas digestivos até ao cancro.

Em termos objectivos, o consumo de carne não é importante para o ser humano.

Se não for na carne, onde se vai buscar a proteína?

Todos os vegetais têm proteína, mas onde ela se encontra em maior concentração é nas leguminosas (tremoço, fava, ervilha, feijão, grão) e na soja.

As comunidades que adotaram os estilos de alimentação vegetariano e vegano estão espalhadas por todo o mundo e a sua representatividade é significativa. Uma dieta vegetariana ou vegana bem planeadas são mais saudáveis do que uma dieta que inclua produtos de origem animal.

Número aproximado de vegetarianos em diversos países:

Índia - 500 milhões
Taiwan - 1,7 milhões
Austrália - 1,1 milhões
Alemanha - 7,4 milhõe
Itália - 6 milhões
Holanda - 1 milhão
Reino Unido - 4 milhões
Brasil - 8 milhões
Canadá - 1,7 milhões
EUA - 7,3 milhões

Impor uma dieta vegetariana aos animais de companhia é contra-natura

Tratando-se de uma dieta equilibrada, com os nutrientes necessários, e que eles gostem, porque não?

Ração, comida de lata ou carne de vaca também são “contranatura” e ninguém parece incomodar-se com isso, porquê a indignação com o alargamento do vegetarianismo aos animais de companhia?

Respeito as vossas escolhas, exijo que também respeitem as minhas

Se pensarmos um pouco, rapidamente concluímos que não há qualquer razão para não respeitar as escolhas de quem opta por não explorar, matar, causar sofrimento nem degradar o ambiente. Enquanto que é absolutamente justificável questionar quem opta por fazer tudo isso. Afinal de contas, não podemos esquecer que a indústria mais poluidora do planeta é a indústria da carne.

No entanto, não é respeito que os carnistas procuram, e sim aprovação. O que pretendem é poder continuar a comer animais sem terem que lidar com a sua própria consciência.

Se a humanidade se convertesse subitamente ao veganismo, o que aconteceria ao excesso de gado? (também há a versão b) que prevê exatamente o contrário: a extinção das espécies que são objeto de exploração pecuária)

Obviamente que isso nunca aconteceria da noite para o dia e a oferta iria gradualmente adaptar-se à procura.

No caso da alimentação vegana, sem utilização de produtos de origem animal, gera-se normalmente um conflito de interesses: o nosso pensamento ético (que nos diz que é errado provocar sofrimento e morte desnecessariamente) e os nossos hábitos alimentares (que se constituem como uma fonte de prazer e bem estar). E enquanto algumas pessoas privilegiam os seus padrões morais e mudam os comportamentos em consonância, a maioria prefere mudar os primeiros, negando aos animais o direito e a consideração moral para poderem continuar a usufruir da sua exploração e morte sem problemas de consciência.

A produção industrial de animais para consumo não é sustentável. De acordo com o relatório da ONU “Livestockʼs Long Shadow - Environmental Issues and Options (2006), “a indústria pecuária constitui-se como um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental, nomeadamente pela poluição dos lençóis freáticos, degradação dos solos e perda de biodiversidade.” “é responsável por 18% de emissões de gases poluentes, taxa ainda mais elevada do que o setor dos transportes.” Uma dieta à base de carne exige sete vezes mais solo que uma dieta à base de vegetais.

A conversão para um regime alimentar vegano é uma medida ética e ecológica.

A  tourada cumpre uma função social, a caça serve para controlar as espécies e zelar pelo ambiente, a experimentação animal salva vida humanas...

Não deveríamos ter que justificar uma atividade profissional ou lúdica com um argumento altruísta. A experiência mostra-nos que essa é por vezes uma forma ardilosa - consciente ou inconsciente - de posicionar como boa uma atividade reprovável.

Não é comum um ator dizer que abraçou essa profissão para contribuir para um mundo melhor; assim como um canalizador alegar que o seu objetivo é que os lugares mais recônditos tenham acesso a água canalizada, um eletricista a pretender sacrificar-se para que não haja na terra uma alma sem luz, ou um espectador inveterado de cinema clamar pelo seu altruísmo para dar de comer aos que trabalham na indústria cinematográfica.

As pessoas assumem normalmente as suas escolhas profissionais e os seus hobbies pelo retorno que estes lhes proporcionam. Só que nalguns casos, como nos supracitados, cai mal em termos sociais dizer que se caça pelo gosto de matar, que se toureia pelo prazer de violentar e subjugar um ser vivo, que se paga a renda de casa com dinheiro sujo de sangue de cobaias. E então inventam-se a posteriori objetivos nobres para conferir decência às escolhas que deveriam envergonhar-nos.

Os animais usados em investigação salvam vidas humanas

Os que ganham a vida no setor da investigação biomédica gostariam que acreditássemos nisto. Ao fim e ao cabo, quem se oporia a que se fizessem testes não dolorosos a um rato para salvar a vida de milhares de crianças? Mas não é este o caso, por isso o movimento anti-vivisseccionista conta com milhões de adeptos por todo o mundo.

Na maior parte dos casos, as experiências são feitas para lançar novos medicamentos no mercado; não medicamentos inovadores, mas novas versões dos já existentes perto da data de caducidade das respetivas patentes.

E isto para não falar dos milhares de animais que são sacrificados diariamente para testar um novo ingrediente ao óleo para travões, ao produto de limpeza de fornos, ao champô que dá mais brilho, ao cigarro que mata menos.

Excelente mesmo, seria apostarmos na cura para o preconceito e a insensibilidade relativamente às outras espécies.

Os que são contra a experimentação animal não deviam consumir medicamentos


Por essa ordem de ideias nenhum anti-racista ou anti-esclavagista deveria visitar qualquer monumento construído até ao fim do séc.XIX, nem o presidente Obama deveria viver na Casa Branca por terem sido construídos por escravos.

Suponhamos que estamos num local em que vimos a saber que as condutas de água foram construídas por mão de obra infantil. Deveríamos arriscar morrer de desidratação por terem sido usadas crianças nessa situação?

O facto de querermos corrigir erros do passado que resultaram em benefícios de que usufruímos, é um fator positivo, que nos dignifica enquanto cidadãos conscientes.

No reino da tolerância: só vai à tourada quem quer

Num paradigma de sociedade normal, desfrutar de um acto público de tortura de um animal é impensável. É moral e eticamente condenável tirar partido da agonia de outro ser. Através da formação e valores passados entre famílias, a sanidade implícita na postura de respeitar o bem-estar de todos os animais, humanos e não humanos, é substituída por um regime de exceção que diz: “Faremos o bem a todos, menos aos touros, que existem é para serem toureados.” Frequentemente, esta precoce programação mental a que estão sujeitos os aficionados é levada a cabo pelas suas famílias, num acto de transmissão da sua própria cultura e valores antigos. O aficionado cresce num meio onde a tortura implícita na tourada é legitimada, promovida e perpetuada, associada a valores familiares, negócios, estatuto social…

Quando as questões envolvem valores éticos e direitos fundamentais, inalienáveis e inerentes a animais sencientes (humanos e não humanos), fazê-los depender de interpretações subjectivas – como seja valorizar interesses triviais da mentalidade dominante – num relativismo cultural é inaceitável.

É por isso que fenómenos culturais tais como a excisão do clitóris nas meninas de alguns países africanos ou a lapidação das mulheres adúlteras, chocam o mundo ocidental que considera – e muito bem – que o relativismo cultural e a tradição não podem caucionar práticas que cerceiam liberdades básicas e direitos fundamentais, como sejam a integridade física, por exemplo.

Se bem nos recordarmos, a mesma questão pôs-se na altura da implementação dos novos regulamentos sobre os locais em que se pode fumar: durante toda a vida os fumadores impuseram o seu fumo aos outros; os governos dos países ocidentais foram acusados de extremismo e falta de tolerância quando decidiram proteger as vítimas dessa prática: os fumadores passivos.

Resumindo em duas frases:

à tourada não vai só quem quer; vai quem para isso foi programado.

não acorrer em defesa de quaisquer vítimas é um acto de cobardia, indiferença e de conivência com o crime; não de tolerância.

Temos que respeitar porque é um espetáculo legal

Os quadros legais não são imutáveis, pelo contrário, acompanham a evolução dos códigos éticos pelos quais as sociedades se regem.

Assim se considerou com a escravatura, com a subalternização das mulheres, com a violência doméstica.

O esforço que a indústria tauromáquica tem feito para conseguir a aprovação social é indicativo da noção que tem da fragilidade da sua situação: os espetáculos para fins de beneficência, com o objetivo de se ligarem a instituições prestigiadas; a tutela pelo ministério da cultura; a tentativa de promoção da atividade a património cultural imaterial.

Não resistimos a dar aqui um pequeno exemplo ilustrativo de como o enquadramento legal e respetiva regulamentação de uma dada prática não é razão suficiente para a manter, através de um artigo que já fez parte do código penal:

“E declaramos que, no caso em que o marido pode matar sua mulher, ou o adúltero, como acima dissemos, poderá levar consigo as pessoas que quiser para o ajudarem, contanto que não sejam inimigos da adúltera ou do adúltero por outra causa afora do adultério.”

A lei de proteção aos animais (n.º 92/95), ainda que consagrando os direitos dos animais quanto à vida e ao bem-estar e proibindo a violência injustificada contra os mesmos, abre uma exceção para o caso das touradas. O conflito direto entre a lei e este regime de exceção debilita a própria lei. O enquadramento legal da tourada é uma aberração da legislação atual e, nesse sentido, deve ser repensado. A legitimação de que a tourada goza é, pois, o resultado de um erro legal.

Se acabarem as touradas, extingue-se uma espécie

Segundo o relatório de 2006 emitido pelo Secretariado da Diversidade Biológica, da ONU, o objectivo definido em 2002, de conter o ritmo da extinção das espécies até 2010 não só não foi atingido, como a perda de biodiversidade está em aceleração desde essa altura. Adianta o relatório que, para encontrarmos uma situação comparável ao ritmo de extinção atual, teríamos que recuar 65 milhões de anos, quando um meteorito chocou com a Terra e pôs fim à era dos dinossáurios. O atual é o sexto processo conhecido de extinção massiva de espécies e o primeiro causado pelos humanos.

Estamos a falar de espécies animais que influenciam directamente os ecossistemas em que se inserem, prejudicando de uma forma imprevisível e devastadora os já precários equilíbrios ecológicos e que é urgente preservar. Não se percebe como é que neste contexto catastrófico se gastem tantos recursos na preservação de uma raça bovina criada artificialmente com o propósito único de ser massacrada em praça pública. A perda do touro de lide teria tanto significado como a extinção do caniche. Mas, mesmo assim, nem sequer é previsível a extinção desta raça, já que a mesma pode ser promovida através do eco-turismo, pela dedicação dos seus admiradores.

Mas há mais, a indústria tauromáquica alega que ninguém ama mais os touros do que eles próprios até porque são os únicos a zelar pela sua conservação. Amar significa querer o bem de outrém desinteressadamente e, se essa alegação fosse verdadeira, a raça taurina nunca estaria em perigo pois os ganadeiros, os toureiros e os aficionados em geral tudo fariam para preservar a espécie. Mas a realidade é que essas pessoas vivem da exploração desses animais, o que eles fazem é proteger os seus investimentos e zelar pelos seus lucros, como em qualquer outra atividade económica. Seria o mesmo que acreditarmos que a razão de ser de um bar de alterne é garantir uma boa vida às prostitutas que lá trabalham.

Se este absurdo argumentativo pega, qualquer dia estaremos a massacrar linces para que estes não se extingam de vez.

As tradições devem manter-se


A civilização constrói-se através do questionamento regular das suas práticas, tradições e costumes. Quando estas deixam de se coadunar com os valores da época – podemos incluir aqui o circo romano, a escravatura, a utilização de deficientes nos circos, o seviciamento nos pelourinhos, a violência doméstica, o trabalho infantil, a queima de bruxas, a tortura de gatos nos centros urbanos, etc – são abandonadas e substituídas por novas formas de atuar, criando-se novas práticas, novas tradições, novos costumes.

A evolução da nossa sociedade apoiou-se na promoção de valores relacionados com a bondade, solidariedade, educação e civismo. Ao mesmo tempo, abandonou práticas ligadas à discriminação, violência, ignorância e embrutecimento. A tourada é caracterizada precisamente por estes últimos elementos. É a representação dos valores negativos enraizados por rituais antigos que já não têm lugar no mundo atual, que se quer pacífico e promotor da vida e do progresso.

Resumindo: A tradição não pode servir para caucionar práticas que cerceiem liberdades básicas e violem direitos fundamentais.

A tourada é uma manifestação cultural que faz parte da nossa identidade coletiva

A cultura não é uma realidade estática, mas dinâmica, e está em permanente processo de construção. Muitas tradições se têm perdido e não foi por isso que perdemos a nossa identidade, pelo contrário, muitos de nós negamos identificar-nos com quem tem orgulho em massacrar animais em público num show de características trogloditas.

Não queremos uma cultura que ritualiza e glorifica exercícios de domínio, de subjugação, de violência. Queremos uma cultura que promova a justiça, a integração e o respeito e isso não é compatível com o caráter de exceção dado à tauromaquia no que concerne ao direito a não ser maltratado que a legislação reconhece aos animais não humanos.

Por falar em construção de um outro tipo de sociedade e assumindo que por aí passa a educação e formação das crianças, perguntamos porque é que a violência simulada em filmes é sujeita a critérios de idades mínimas da audiência permitida e apenas passada na televisão depois das 22h00 (com bolinha assinalando que a ficção a que vamos assistir contém cenas que podem chocar a sensibilidade dos espectadores) e a tourada – baseada em violência real – não é sujeita aos mesmos critérios?

Ainda que verificada em Portugal desde há alguns séculos, a tourada sempre foi uma atividade praticada e apreciada por minorias localizadas. No século XXI, a maioria do povo português não só não identifica a tourada como parte da sua cultura, como a rejeita. Ao contrário doutros fenómenos culturais locais – que gozam da aceitação de todos os portugueses, mesmo que deles não usufruam – a tourada não é aceite e viola princípios fundamentais das pessoas, como o princípio do respeito pelos animais. A identidade colectiva da sociedade portuguesa quer ver a tourada relegada para uma prática morta, que teve o seu lugar na história, mas que já não caracteriza a cultura em Portugal.

A tourada é uma manifestação cultural portuguesa

Errado.

Praticamente todos os países europeus já foram palco para este espetáculo, tendo vindo a ser banido de todo o lado à exceção do enclave ibérico e de algumas regiões do sul de França, o que só espelha o nosso atraso sistemático relativamente aos países desenvolvidos.

A tourada em Portugal é uma importação de uma atividade espanhola. Foi exportada há séculos atrás para várias colónias do Império Espanhol, daí a sua presença unicamente em países de língua castelhana (México, Colômbia, Peru, Venezuela, Guatemala) e nos vizinhos da Espanha: Portugal e França. A tourada representa uma forma de contaminação da cultura portuguesa, a que o tempo concedeu aceitação.

Aliás basta repararmos no léxico próprio desta atividade para percebermos que foi importada: afición, faena, chicuelina, tentadero, templados, derechazos, quiebros, revolera, etc.

Resumindo: o que é verdadeiramente português – além do pormenor dos forcados, que não vivem sem o resto da lide que lhes fragiliza o touro ao ponto de poder ser “pegado” – é o nosso atraso sistemático. E isso, sinceramente, não deveria constituir motivo de orgulho para ninguém.

As corridas de touros são o espetáculo com mais público a seguir ao futebol


Começa logo por ser discutível o futebol deixar a categoria de atividade desportiva para passar a ser considerado espetáculo.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, os concertos de música ligeira são os que movimentam maior número de espectadores (3,2 milhões), seguidos pelo teatro (1,6 milhões), variedades, música clássica, circo e, por último, a tourada. Isto para falarmos apenas de espetáculos ao vivo, porque se contabilizarmos as visitas a museus (10,3 milhões), galerias de arte (5,5 milhões) e cinema (16,4 milhões), então a clivagem é muito superior.

A ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, afirmou que «[a] tauromaquia existe e movimenta 650 mil espectadores. É nossa obrigação cumprir a lei e a lei diz que temos que a regular». Aqui temos mais uma abusiva manipulação de números: os espetáculos tauromáquicos registaram a entrada (venda de bilhetes, incluindo aqueles que são comprados pelas autarquias, como forma encapotada de subvenção) de 650.000 espectadores. É sabido que o público das corridas de touros é errante; não assiste apenas a uma corrida de touros por ano, assim como um frequentador de museus faz diversas visitas anualmente. Só nos grandes recintos a tourada consegue hoje em dia números significativos de audiência; não porque o público local marque presença em força, mas porque os aficionados viajam até às praças onde podem assistir aos eventos mais publicitados. Assim, teríamos que estabelecer uma média de participações para se ter uma ideia aproximada do real número de pessoas mobilizadas (se forem 5, o número de aficionados desce imediatamente para 130 000; se forem 10, baixa para 65 000).

As verbas destinadas à compra de bilhetes para atividades tauromáquicas estão anotadas nos registos públicos referentes às despesas das autarquias. Dos alegados 650 mil espectadores, uma enorme percentagem assistiu às corridas de touros gratuitamente. Estranhamente, esses convidados dos promotores da tauromaquia, para a estatística, contaram como público.

Terá sido por o anterior Ministério da Cultura ter esgotado a sua função no cumprimento de leis, ao invés de refletir sobre o que se entende por «espetáculo artístico», que foi despromovido a Secretaria de Estado?

Se o Estado considera que um espetáculo artístico pode consistir em infligir sofrimento em animais para entretenimento público, então por que razão havemos de excluir da regulamentação as lutas de cães ou de galos? Se os critérios se baseiam no interesse do público e na receita de bilheteira, é completamente subjetivo considerar que as touradas sejam defensáveis e as lutas de cães ou de galos não o sejam.

Mas mesmo que assim não fosse, não podemos esquecer que os autos de fé não terminaram por falta de público, mas por se considerar que eram indignos e que contribuíam para a banalização da violência.

O papel das autarquias é estimular as tradições locais

Mais do que estimular tradições locais, cada autarquia deve defender os interesses dos seus munícipes. Quando o estímulo dado a tradições locais vem em prejuízo dos munícipes e da sua vontade, as autarquias estão a fazer precisamente o oposto do seu objetivo. Alocar verbas para espetáculos de que só uma minoria desfruta, em detrimento de atividades que beneficiam a generalidade dos munícipes, é um erro grosseiro de administração que viola os princípios fundamentais da responsabilidade das autarquias.

É sempre mais fácil e mais populista apelar à brutalidade e violência do que promover ações sociais, educativas, que alarguem os horizontes das populações que servem, mas as entidades públicas não podem eximir-se das suas responsabilidades. Se a barbárie faz parte da condição humana, é ao Estado que compete combatê-la.

O homem refugiou-se do mundo natural e construiu santuários onde estivesse a salvo da implacável lei do mais forte. Protegidos dos predadores e da luta diária pela sobrevivência, pudemos assim dedicar-nos à filosofia, à ciência, à arte. Mas não perdemos o espírito opressor, pelo que só mesmo um Estado de Direito nos salva do pior de nós mesmos.

Ao subsidiar e promover a tauromaquia, o Estado está a subverter o seu papel, fomentando a violência e a discriminação. Para além de provocar a discórdia e a desunião quando opta por esbanjar dinheiro público num espetáculo de sangue que cada vez mais pessoas contestam.

A tauromaquia é uma atividade económica relevante

O eventual caráter económico de uma actividade destrutiva não a legitima. Pelo contrário, demonstra como valores fundamentais se subvertem em função do dinheiro.

Mas o que é mais grave é que a tauromaquia, como actividade económica, prejudica o país. Suga subsídios europeus, estatais e municipais que podiam e deviam ser aplicados em actividades construtivas, em vez de serem esbanjados em rituais que nada criam e que exortam a violência e o embrutecimento.

Será justo continuar a subsidiar uma indústria de mero entretenimento, que promove a violência, em nome dos postos de trabalho que garante? Nós temos a agricultura de rastos, não seria antes de aplicar o esforço nessa área, transferindo essa mão de obra

para onde ela é mais necessária? Essas tais pessoas que tanto amam o mundo rural não seriam bem mais úteis na produção agrícola do que na área dos espetáculos?

O tráfico de droga, as lutas de cães e de galos são também setores económicos a considerar e no entanto nenhum de nós pensaria sequer em reabilitar e regulamentar uma prática que passou a ser proscrita por razões de ordem ética.

A tauromaquia prejudica o turismo. Várias sondagens e estudos elaborados no âmbito deste tema corroboram esse prejuízo. No estudo “Valores e Atitudes face à Protecção dos Animais em Portugal”, de 2007 – levado a cabo pela Metris GfK, em associação com o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) – foi feita a pergunta, “Em que medida pensa que, em Portugal, os animais são protegidos por lei?”, os resultados foram:

Um total de 87,1% dos consultados considera que a protecção legal dada aos animais é deficiente.

À pergunta, “Considera que a tourada deveria ser proibida por lei em Portugal?”:
50,5% dos entrevistados respondeu “Sim”
39,5% respondeu “Não”.

À pergunta, “Gostaria que o Município da cidade onde reside a declarasse uma cidade onde as actividades relacionadas com tourada não são autorizadas?”
52,4% dos entrevistados respondeu “Sim”.
36,8% respondeu “Não”

Em Março de 2007, a Associação Animal encomendou uma sondagem à CIES/ISCTE/ MetrisGfk, que foi levada a cabo no norte do país. Essa sondagem foi utilizada pelas Câmaras Municipais de Braga, Viana do Castelo, Cascais e Sintra para conhecerem a posição actual dos portugueses em relação às actividades tauromáquicas. Os respectivos autarcas procederam ao cancelamento de vários eventos tauromáquicos em função dos resultados dessa sondagem. Nela, 61,1% dos habitantes do norte do país declaram querer que as touradas sejam proibidas por lei em todo o país e 64,5% declaram querer que as cidades e vilas em que residem sejam declaradas cidades e vilas anti-touradas.

Pela Europa, num estudo realizado em 2003 em diversos países europeus, 93% dos alemães, 81% dos belgas e 82% dos suíços afirmaram ser contra a tourada.

89% dos britânicos afirma que nunca visitaria uma tourada quando estivesse em férias. (TNS Sofres, sondagem encarregada pela Franz Weber Foundation).

76% dos europeus inquiridos afirma que é errado a indústria do turismo promover uma tourada de qualquer forma. (sondagem ComRes, de Abril de 2007).

Estes dados revelam de forma objectiva que a tourada não beneficia o turismo nacional, nem a imagem de Portugal no estrangeiro. Pelo contrário, desperta o antagonismo de povos evoluídos que não desejam visitar países promotores de rituais macabros.

O touro é um animal agressivo e foi criado especificamente para isto

Ainda que frequentemente alegado pelos aficionados, este argumento incorre numa auto- contradição. A resposta do touro numa arena é o resultado de anos de condicionamento e apuramento da espécie, não de agressão intrínseca à espécie. É precisamente pelo facto de que os touros de lide são criados para esse efeito que, mais tarde, respondem de forma programada na arena.

Desmontemos agora a alegação.

A primeira parte do argumento é uma falácia: o touro é um animal reativo, não um animal agressivo. Reage quando se sente ameaçado, o que sucede indubitavelmente em todo o processo que culmina na lide.

A segunda parte é um absurdo. Não é eticamente aceitável criar um touro com o objetivo de o torturar. Tal como um cão, ou um filho, ou uma galinha.

Criar situações de stresse extremo para provocar reacção num animal e fazer disso espetáculo é ignóbil, desumano e bárbaro. Independentemente de ser tradição ou não.

Se comem carne, é hipocrisia serem contra as touradas, em nome da coerência

Claramente, a extrapolação é um erro.

Parece que só um vegan tem legitimidade para se pronunciar contra as touradas. Seguindo esse tipo de raciocínio, também só uma pessoa "carbono 0" se pode pronunciar sobre crimes ambientais; quem alguma vez incorreu nalguma contra-ordenação, não pode objetar ao crime. A colocação das questões no tudo ou nada acaba por redundar numa grande desonestidade intelectual porque cria impasses. Esta é uma evidente tentativa de empurrar a oposição às touradas para um estatuto que ela não tem e que é visto com preconceito por uma maioria da população.

A maioria dos portugueses, ainda que omnívora, reconhece que a tourada é uma actividade vã e injustificável.

A tauromaquia foi celebrada por pintores e escritores, como Picasso e Hemingway

Goya e Picasso pintaram a tauromaquia, como pintaram o horror da guerra ou as execuções públicas. Se as suas obras e a dimensão estética que deram ao horror não servem para legitimar a guerra ou as execuções públicas, porque razão haveria de servir para justificar a tauromaquia?

De facto, alguns autores estão dentro do zeitgeist da época e outros estão à frente do seu tempo. Esse é o grande papel da arte: dar a ver outra perspetiva do mundo. William Hogarth, por exemplo, em meados do século XVIII, ilustrou bem a iniquidade da sociedade em que vivia e as consequências morais da mesma, que só vieram a ser comprovadas muito mais tarde pelas ciências que estudam o comportamento. A série The Four Stages of Cruelty é disso exemplo.

Houve de facto artistas que se posicionaram a favor das touradas, como houve outros que se manifestaram contra. Acontece que a formação moral ou ética de um artista não é relevante para avaliar a qualidade da sua obra, nem esta pode validar a sua postura ética. São coisas distintas.

Um regime democrático não é proibicionista

Claro que um regime democrático nos proíbe as práticas que podem ser lesivas para os outros. Os códigos penais estão cheios delas. Porque é preciso assegurar a defesa dos mais vulneráveis relativamente aos abusos dos mais fortes, por isso o código penal está organizado de forma a limitar a liberdade de quem maltrata, de quem rouba, de quem contamina, de quem abusa, de quem tortura.

Um regime democrático não é uma anarquia em que cada qual faz o que quer, independentemente do prejuízo que isso possa ter para os outros. Segundo as regras da democracia, a maioria determina imposições sobre a minoria. No século XXI, a maioria da população portuguesa considera que a tourada viola direitos fundamentais dos animais – cavalos e touros. Segundo as regras dos regimes democráticos, considerando que a maioria da população portuguesa quer ver esses direitos respeitados, a abolição das touradas é uma medida democrática e justa.

Um regime democrático não nos vai ditar o que vamos fazer dos nossos tempos livres; não vai obrigar-nos a ir ao teatro, por exemplo, mas vai dizer-nos o que não podemos fazer.

Resumindo: embora as preferências das maiorias não se possam impor sempre que ponham em causa os interesses de minorias, neste caso a maioria democrática coincide com obrigatoriedade ética.

O touro não sofre

Sabemos que é reprovável causar sofrimento por motivos triviais. Mas o que é facto é que o touro tem que sofrer durante o espetáculo com que se deleitam os aficionados.

Por isso parece-lhes melhor defender a ideia absurda de que um animal que sente uma mosca a picar-lhe os flancos, por uma espécie de passe de mágica, numa arena não sente ferros de 8cm de comprimento com um arpão de 4cmx2cm a enterrarem-se-lhe na carne e a dilacerarem-lhe músculos, vasos sanguíneos e nervos.

Para conferir alguma credibilidade a este absurdo, invocam muitas vezes um pseudo- estudo do porf. Illera, que obviamente não conseguiu passar pelo crivo do peer review. E como não conseguiu publicar em revistas científicas, optou por publicar as suas conclusões em revistas tauromáquicas que o acolheram de braços abertos e divulgaram até à exaustão.

Entre os argumentos pseudo-científicos frequentemente associados à alegação de que o touro não sofre, a questão da adrenalina costuma ter um papel de destaque. Dizem que a secreção de adrenalina como elemento inibidor de dor é a prova de que o touro não sofre com as agressões que sofre durante a lide. A auto-contradição é evidente: a secreção de adrenalina ocorre em momentos de claro perigo e tensão e é o mais claro indicador de que o touro está, efectivamente, a sofrer. Senão, a adrenalina não seria sequer necessária.

Puro bom senso.

A oposição à tauromaquia é uma luta da cidade contra o campo


Essa é uma falsa questão, já que não podemos falar genericamente de pessoas do campo sem estarmos a estereotipar um grupo. As pessoas do campo são tão iguais e tão diferentes como todas as outras: podem ser generosas, compassivas, inteligentes, brutas, gananciosas, violentas, egoístas, divertidas, taciturnas... podemos continuar indefinidamente, sem nunca chegar a uma conclusão de jeito.

A oposição à tauromaquia é uma luta da razão e da sensibilidade - valores transversais a todas as pessoas, independentemente da sua origem - contra a paixão cega das emoções fortes.

A valentia, a inteligência contra a força bruta

Há quem prove diariamente que a valentia e a inteligência são superiores à força bruta, através da literatura, da filosofia, da ciência, da tecnologia, da política, da intervenção social.

A corrida de touros está concebida de forma a que um dos lados esteja preparado para vencer e o outro condicionado para perder. Não é por acaso que as praças são redondas, que os cornos são despontados e embolados, que os toureiros aprendem as técnicas de melhor enganar o touro, que a música toca, que o público grita, que a sequência e o tamanho das bandarilhas é precisamente aquele.

Assumindo que a inteligência é a capacidade de resolver novos problemas, o touro – o tal animal irracional – é o único que a tem que usar, porque é aquele que não sabe o que o espera. Se ensinássemos o touro (sim, são capazes de aprender, como todos os outros animais, através de estímulos positivos e negativos) a apontar ao corpo e não à muleta, a não reagir às primeiras agressões e esperar que o torturador se exponha cada vez mais, a virar a cabeça de lado no momento do encontro com o forcado? E se, sobretudo, o fizéssemos sem o conhecimento prévio de toureiros e forcados? Aí o desfecho seria seguramente outro e já não seria “justo”.

Basta ver os gestos repetidos e as expressões grotescas de triunfo dos toureiros para perceber o caráter supérfluo, primitivo e inútil da necessidade de um ritual em que o homem pretende demonstrar a superioridade sobre um animal. É fácil de perceber que uma coisa destas ao invés de elevar o homem, bestializa-o.

É ainda importante considerar a própria pertinência de perpetuar um ritual primitivo em que, supostamente, se confrontam a inteligência e a força bruta. Acima de tudo, é um ritual de vaidade, supérfluo e desnecessário. Alegar que tal confronto é uma das essências da tourada é afirmar que o homem precisa de provar que é intelectualmente superior a um animal, o que é verdadeiramente absurdo.

Concluindo: houve inteligência sim, mas a montante, na construção desta sequência. Mas sabemos bem do que a inteligência sem empatia é capaz.

O touro gosta da lide, sente-se respeitado

Deve ser resultado de algum estudo de opinião em que entrevistaram os touros à saída da arena...

Este é mais um paradoxo da defesa da tauromaquia: por um lado acusam os que a ela se opõem de antropomorfizar o touro quando falam em sofrimento mas, por outro não têm qualquer pudor em afirmar que o touro sente honra, arrogância ou paixão por ser ludibriado e ferido num ambiente hostil, longe dos seus pares.

É melhor a vida de um touro de lide do que a dos bois para consumo

Nenhum mal pode ser justificável por comparação com outro mal maior.

O touro tem uma vida de rei durante 5 anos e depois sofre na arena durante 20 minutos

Deveria preocupar-nos o caráter doentio de criar animais para os sujeitar a um ritual de tortura antes de os matar. Até porque sabemos que violência é violência, qualquer que seja a vítima e não é por acaso que diversos estudos no âmbito da psicologia, demonstrem que todos os serial killers treinaram os seus dotes primeiro em animais.

É a sede de dominar e de subjugar que emana deste tipo de cultura, donde provém igualmente a violência doméstica (em que o mais forte necessita permanentemente de afirmar a sua superioridade através da submissão dos mais fracos).

Se o simples abandono de animais de estimação é consensualmente condenado pela população, por que motivo devemos aceitar que outros torturem touros, por mais bem estimados que sejam?

Fonte