sábado, fevereiro 15, 2014

O que são Direitos Animais?


(Material elaborado e divulgado pelo Grupo pela Abolição ao Especismo de Porto Alegre, a partir dos sites: www.direitosanimais.org e www.gaepoa.org)

A teoria dos Direitos Animais existe para nos ajudar a decidir quando estamos certos e quando estamos errados em nossa relação com os outros animais. Ela é absolutamente simples. Ela pode ser aplicada por qualquer um, independentemente de credo, etnia, condição financeira, orientação sexual ou posicionamento político. E ela deve ser aplicada por quem acredita no respeito e na justiça.

Por que devemos basear nossa ética em direitos?
Para decidir se uma ação é certa ou errada, não basta olhar para o quão felizes ou tristes ficam os indivíduos envolvidos. É claro que isso é importante – mas apenas uma vez que temos certeza de que ninguém está tendo algum direito básico seu violado.
Por exemplo, se nos pedem para julgar moralmente um estupro, a última coisa que nos ocorre é se foi bom para o estuprador. Seria muita ousadia ele se virar para o juiz e dizer "Acredito que o prazer que eu senti excedeu o desprazer da vítima, de modo que minha ação aumentou o nosso bem-estar total. Então eu não só agi certo, como estaria errado caso não a tivesse estuprado!".
Considerações a respeito do bem-estar dos envolvidos simplesmente não têm qualquer relevância quando a questão envolve uma violação de direitos. Por exemplo, no caso do estupro, a vítima teve um direito seu violado – o de não ser dominada por ninguém.

Mas afinal de contas, o que é um direito?
Um direito é uma barreira que protege um interesse fundamental seu da ação de terceiros. Ninguém pode violar um direito seu simplesmente alegando que isso o deixaria mais feliz. Nem sempre um direito é garantido por lei. Mas, mesmo na ausência do direito legal, você ainda pode ter um direito mais importante, um direito moral. Por exemplo, você tem um interesse fundamental em que as outras pessoas não te matem (pois, se o fizerem, seus outros interesses deixarão de fazer sentido). A esse seu interesse fundamental está relacionado o seu direito à vida, um direito moral. E as pessoas têm e sempre tiveram esse direito, independentemente do que diziam as leis e os costumes da região e da época em que vivem ou viveram.
Duas observações são importantes para o bom entendimento dos direitos. A primeira é que, ao direito de um, corresponde o dever do outro de respeitar esse direito – no caso de esse “outro” ser um indivíduo que possa ser responsabilizado pelos seus atos (um humano adulto com plenas faculdades mentais). Logo, não se pode dizer que você tem o direito de não ser atingido por um raio, já que não há alguém a quem reclamar tal direito. Tampouco se pode dizer que você tem o direito de não sentir o cheirinho daquilo que o bebê deixou em sua fralda: é só um bebê; é difícil responsabilizar qualquer um por isso.
A segunda observação é que a possibilidade da violação ética de direitos existe, sim – mas apenas em casos em que há um conflito entre os direitos morais de dois ou mais indivíduos. Por exemplo, alguém apontando uma arma para a nossa cabeça e pedindo que escolhamos entre a vida de uma pessoa e a de outra (construir exemplos práticos já é mais difícil). Mas o conflito precisa ser entre interesses genuinamente fundamentais e que gerem direitos morais.
Um exemplo pode ilustrar a importância dessas observações: imagine que dois filhos do seu vizinho nasceram com uma doença desconhecida. Ele, então, raptou a sua filha para lhe servir de cobaia em experimentos que terminaram por ajudá-lo a descobrir uma cura para a doença dos seus meninos. Isso se justifica? Se o seu vizinho tiver lábia, talvez até consiga convencer algumas pessoas de que sim, dizendo saber que se tratava de um conflito de interesses fundamentais, mas que sua pesquisa acabou por preservar o interesse do maior número de pessoas. Ele só não convenceria você nem ninguém que percebesse que, enquanto o interesse fundamental da sua filha em não ser dominada gerava um direito, o interesse fundamental dos filhos do vizinho em ter uma vida feliz não geravam um direito, já que sequer haveria alguém junto a quem reclamá-lo. E muito menos esse alguém seria sua filha ou você. Tanto é que seu vizinho precisou raptar sua filha, ele não simplesmente bateu à sua porta e disse “Olá, vizinho, tudo bem? Vim tomar o que é meu de direito. Com licença, sim?”.

O mais básico de todos os direitos
Ao longo da História, seres humanos inocentes dos mais diversos credos, etnias, gêneros, posições sociais, convicções políticas e orientações sexuais foram perseguidos, escravizados, torturados, humilhados, estuprados e assassinados. Tudo isso fere um direito moral básico de todos os seres humanos: o direito de não ser considerado propriedade.
Ser considerado propriedade significa ser considerado recurso. Coisa. Escravo(a). Apenas um meio para os fins dos outros. Algo sem interesses próprios, ou ao menos não interesses que mereçam ser protegidos por direitos. Assim se justifica praticamente qualquer coisa que possa ser feita com a propriedade. Por um lado, esta não tem direitos. Por outro, o proprietário possui direito legal justamente sobre sua propriedade. O resultado é que os interesses do proprietário – por mais banais que sejam – sempre prevalecerão sobre os interesses da propriedade – por mais fundamentais que sejam.
Mas como é que sabemos que todo ser humano possui o direito de não ser considerado propriedade? Pelo seguinte: seres humanos possuem a capacidade biológica de sentir dor. A dor nada mais é que um mecanismo de preservação da vida. Logo, cada humano preza sua própria vida. Mas de nada adianta ele estar vivo se sua vida não lhe pertence. Se sua vida pertence aos outros, ele não poderá escolher sobre seu próprio destino e nem terá domínio sobre o seu próprio corpo.
E mais: todos os seus interesses vão por água abaixo quando seu direito de não ser propriedade não é respeitado. Não só porque esses interesses podem ser violados (pois uma propriedade não tem quaisquer direitos), mas porque eles serão violados (um ser só é transformado em propriedade se, para começo de conversa, alguém enxergou em sua exploração alguma possibilidade de benefício pessoal).
Quando você é propriedade, você não precisa ser respeitado(a) enquanto indivíduo. Suas relações afetivas com sua família podem ser interrompidas a qualquer momento. Você pode ser violentado(a) sexualmente. Pode ser ameaçado(a). E será descartado(a) assim que perder a utilidade para os outros. Em suma: talvez pior que simplesmente se tirar a vida de um indivíduo seja lhe roubar a vida para si. É por isso que o direito de não ser propriedade pode ser considerado o mais básico de todos os direitos.

Quem tem o direito de não ser considerado propriedade?
Repare na argumentação no item anterior. O direito básico de não ser considerado propriedade decorreu unicamente da capacidade de sentir dor, também conhecida como senciência. A conclusão imediata é que todos os seres sencientes têm o direito de não serem considerados propriedade. E quem é senciente?
Essa categoria inclui não só os animais humanos, mas também os não-humanos, que também sentem dor. Vacas, ratos, araras, cachorros, elefantes, cavalos, todos eles têm o direito moral de não serem propriedade, pelo exato mesmo motivo que humanos o têm. Isso significa que temos a obrigação moral de respeitar praticamente todos os animais, e não os enxergar como nossos recursos, meios para os nossos fins.
Infelizmente, hoje em dia, vacas são consideradas animais “para fins de alimentação e vestuário”, ratos são animais “de laboratório”, araras e cachorros são animais “de estimação”, elefantes são animais “de circo”, cavalos são animais “de tração” etc. Ou seja, botamos nos animais não-humanos apelidos que denotam sua principal utilidade para nós. Violamos seu direito mais importante, o de não serem considerados propriedade. É por isso que podemos afirmar que a escravidão nos dias de hoje continua mais forte do que nunca.

Colocando a teoria em prática
Agora que já entendemos que os animais não-humanos não pertencem aos humanos, do mesmo jeito que os negros não pertencem aos brancos e as mulheres não pertencem aos homens, a pergunta natural é: como fazemos para respeitá-los?
Só para clarear as ideias, pensemos no caso dos escravos africanos no Brasil colonial. Imagine que você fosse um europeu do século XVI. Como você faria para respeitar esses seres sencientes que, apesar de terem o direito moral de não serem propriedade, não tinham a contrapartida legal desse direito? Bom, em primeiro lugar, você não seria um(a) senhor(a) de escravos, claro. Mas isso adiantaria de algo se você continuasse a consumir o açúcar produzido com mão-de-obra escrava?
Não. Para o escravo, não faz diferença nenhuma quem está segurando o chicote, se você ou outra pessoa. Ao engrossar a demanda por um produto que venha da escravidão, damos o nosso próprio aval para que a escravidão continue, firme e forte. Não somos nós que seguramos o chicote – mas somos nós que colocamos o chicote na mão do capataz. Por outro lado, se você optasse por boicotar aquele produto, você conseguiria mostrar sua oposição à instituição escravocrata, e ajudaria a torná-la menos forte e legítima. E, com certeza, menos indivíduos teriam que ser escravizados para suprir a menor demanda.
O tempo passou, mas a lógica continua a mesma. A única maneira de combatermos a escravidão legalizada de hoje, a dos animais não-humanos, é nos recusando a consumir produtos provenientes dela: carnes, laticínios, couro, animais “de estimação”, produtos testados em animais, ingressos de zoológico etc. Essa ideia revolucionária é chamada de veganismo. É, por definição, a melhor maneira de respeitarmos os animais.
É bom notar que não é nenhuma espécie de santidade da nossa parte que os outros animais requerem. Nós tampouco somos santos(as) em nossas relações com os outros humanos: é difícil encontrar alguém que verdadeiramente considere de maneira igual os interesses dos outros e os seus próprios. Mesmo assim, respeitamos as outras pessoas, não violamos seus direitos morais a torto e a direito (encontrem estes contrapartida legal ou não). E os animais não-humanos também não pedem nada além do nosso respeito.
Assim, a teoria dos Direitos Animais, também chamada Abolicionismo, constitui um movimento que luta contra qualquer uso de animais não-humanos que os transforme em propriedades de seres humanos, ou seja, meios para fins humanos.


1.Como vocês podem falar em nome dos animais? Como vocês podem saber o que eles querem ou deixam de querer?
De fato, nós não conhecemos as preferências de ninguém. Nós não sabemos se você gosta de rock, axé ou música gospel. Mas sabemos que não deseja ser dominado(a) por ninguém, e que isso você não troca por nada. Sabemos disso mesmo sem conhecê-lo(a), e o sabemos por você ser um ser senciente. Não faria sentido que alguém dotado da capacidade de sentir dor não prezasse a própria vida. E não faria sentido que alguém que preza a própria vida admitisse sem qualquer problema que sua vida fosse entregue a outro, que pudesse fazer com ele o que quisesse.

2.Serão só os sencientes portadores do direito de não ser considerados propriedade?
Vimos que todo ser senciente possui esse direito. E quanto aos não-sencientes?
 

É um tanto ilógico imaginar que o processo evolucionário tivesse privado um ser que preza a própria vida de um mecanismo básico de preservação da mesma, como a capacidade de sentir dor. Assim, é bastante natural enxergarmos seres sencientes como os únicos que prezam sua própria vida, logo os únicos que carregam o direito moral de não serem considerados propriedade.

3.Plantas não prezam a própria vida? Se prezam, isso quer dizer que as pessoas têm que ser não só vegetarianas, mas frutarianas?

Nada indica que plantas sejam sencientes. Como elas não possuem sistema nervoso, seria necessária uma explicação metafísica para dar conta de seu potencial de sentir dor. Mas isso não tem nada a ver com o que é um fato consumado: animais são seres sencientes. Administra-se anestesia a cães antes de uma cirurgia – mas não se administra anestesia a plantas antes de uma poda. Não há qualquer estudo científico concluindo que as plantas são seres sencientes.

4.Existem animais não-sencientes? Existem indivíduos que não são animais, mas são sencientes?

Esponjas são classificadas como animais, mas não são sencientes, pois, assim como as plantas, não possuem nenhum resquício de sistema nervoso. Não se conhecem seres sencientes que não pertencem ao reino animal. De qualquer modo, não há dúvida de que os animais que exploramos cotidianamente são sencientes. Consequentemente, é nosso dever respeitá-los.

5. Insetos são sencientes? Como isso afeta a prática do veganismo?

Sim. Insetos claramente prezam sua própria vida, e devem ser respeitados por nós. Isso significa, por exemplo, que não devemos roubar a comida que as abelhas fabricam para sua comunidade, o mel. Também que podemos afastar as baratas que porventura surjam em nossas casas simplesmente as cobrindo com uma lata, passando uma folha de papel embaixo, e liberando-as do lado de fora. Quanto às formigas que andam na rua, é lamentável, mas inevitável, que acabemos matando algumas. Só não precisamos pisoteá-las de maneira intencional. Não é porque não conseguimos fazer tudo que não vamos fazer o que está absolutamente ao nosso alcance.

6. As pragas das lavouras não prezam a própria vida? E aí, como fica?

Sim! Se é essa sua preocupação, você pode tentar priorizar frutas, verduras, legumes e tubérculos produzidos sem inseticidas (orgânicos), e de preferência, em uma fazenda de alguém que respeita os animais. O(a) fazendeiro(a), se quiser, pode fazer uso de espantalhos, homeopatia, barreiras físicas, usar repelentes sonoros, e também pode fazer rotação e planejamento agroecológico das suas culturas como medida preventiva para que outros animais não se fixem ali e se aproveitem de sua produção. É impossível reduzir o número desses animais a zero – mas isso tampouco é necessário. Também seria interessante se as ferramentas desse(a) fazendeiro(a) fossem desenhadas para não matar minhocas. E, mais importante, que o adubo não contenha esterco. Se você conhece um(a) produtor(a) com essa preocupação, por favor nos avise! O(a) produtor(a), ou mesmo você que quer praticar horta urbana no seu quintal, pode encontrar recomendações e critérios para uma lavoura vegana orgânica em www.veganorganic.net.

7.Vocês dizem que o problema todo é que enxergamos os animais como nossa propriedade, de modo que os humanos podem fazer virtualmente qualquer coisa com os não-humanos. Mas e quanto aos animais na natureza, estes também são considerados propriedade?

Sim. E por dois motivos. Um deles é que eles pertencem ao governo (humano, claro) do país em que se encontram. O governo pode mandar que qualquer coisa seja feita ou deixada de fazer com eles. O segundo motivo é que a primeira pessoa que conseguir dominá-los será considerada sua proprietária. É assim, por exemplo, com a caça e pesca esportiva. Se queremos reconhecer o direito mais básico dos outros – o direito de não serem considerados nossa propriedade – nós temos que simplesmente deixá-los em paz, deixá-los viver a sua vida naturalmente, de acordo com suas próprias preferências.

8.Se nós não explorássemos os animais, talvez eles sequer existiriam. Por exemplo, se todas as pessoas do mundo virarem veganas, bois e cachorros provavelmente entrarão em extinção. Isso não será uma maldade que fazemos com eles?

Você está com a razão em relação ao fato de que o número de indivíduos dessas espécies ficará extremamente reduzido. Então provavelmente algumas pessoas se dirão preocupadas com a extinção dessas espécies. Mas é bom notar, em primeiro lugar, que animais que foram afastados da natureza (caso dos bovinos), bem como aqueles que foram inventados pelo ser humano e nunca tiveram uma natureza (caso dos cachorros “domésticos”), não têm qualquer função na natureza. Salvo um ou outro touro selvagem e cachorro-do-mato, os indivíduos dessas espécies não estão mais na natureza, de modo que sua extinção não desequilibrará o meio ambiente. Em segundo lugar, é bom lembrar que espécies não têm direitos. Só pode ter direito um ente que possui um interesse a ser protegido por tal direito. E só têm interesses os indivíduos, não as espécies. Assim, não há nenhuma maldade na proposta vegana (muito pelo contrário, há um profundo respeito por todos os indivíduos). Em terceiro, lembremos que o mundo vai se tornando vegano aos poucos, cada vez que uma pessoa decide se tornar vegana. À medida que isso acontece, a oferta de produtos animais também vai diminuindo, e menos escravos vão sendo trazidos à existência. Mas, num caso absurdo em que todos os(as) não-veganos(as) do mundo num belo dia tivessem um despertar de consciência e decidissem se tornar veganos(as) na mesma hora, teríamos que cuidar de todos os bois e cachorros já existentes para que tivessem uma vida digna até sua morte natural. Alguns animais possivelmente ainda poderiam ser reintroduzidos na natureza, outros não. Mas o que lhes importa não é se sua espécie entrará ou não em “extinção”, mas sim se eles mesmos continuarão existindo para satisfazer aos outros ou se suas preferências começarão a ser levadas em conta.
Aliás, cuidado para não cair no engodo da “extinção”! Esse termo costuma ser empregado por alguns ambientalistas como sinônimo perfeito de “escassez”. O objetivo dessas pessoas ao buscar regular (ou coibir em determinados períodos) a matança, apropriação e/ou venda de animais de determinadas espécies é que esses “recursos” naturais dos seres humanos (os animais não-humanos) não se percam. Isso garante o “direito natural” das futuras gerações humanas de se aproveitarem dos animais como nos aproveitamos hoje em dia (ou também de outras maneiras que ainda não foram descobertas). Para eles, o que importa é o número de exemplares da espécie, e não cada indivíduo dela.


9.Eu concordo que devemos evitar o uso de animais, mas às vezes esse uso é tradicional dentro de uma cultura. O que é pior, sacrificar uma galinha ou sacrificar uma cultura?

Sacrificar uma galinha. Os hábitos da humanidade têm que evoluir à medida que sua moralidade evolui. Nós temos que incorporar, e não moldar, nossos princípios à nossa cultura. É bom lembrar que a cultura não é estática, é dinâmica.

10. Mas e quanto a culturas que ainda vivem de caça e pesca, como esquimós e índios? Elas devem ser orientadas para abolirem as práticas envolvendo animais?

A resposta da pergunta anterior vale para todos igualmente, mas devemos pensar primeiro no que nós devemos fazer, para depois pensar no que os outros podem fazer. Mas sem dúvida, a exploração de animais, assim como de mulheres ou de prisioneiros de guerra não pode ser justificada com frases como “Sempre foi assim”. Deveremos chegar num momento em que seja necessário o diálogo entre culturas – o que nada tem a ver com imposição cultural.

11. Já ouvi dizer que, nos primórdios, nosso cérebro evoluiu graças a nossa alimentação onívora. Será que eliminarmos a carne do cardápio neste estágio não vá resultar numa involução da nossa espécie, no longo prazo?

É impossível comprovar a teoria de que comer carne desenvolveu nosso cérebro. Como dizer que não foi a necessidade de inventarmos novas armas ou planos para capturar animais para comermos que o desenvolveu? Mas, mesmo se acreditássemos nessa teoria, não poderíamos dizer que, se o homem se tornar vegetariano, ele ou seus descendentes poderão ficar menos inteligentes. O certo é que hoje é possível obtermos todos os nutrientes de que precisamos a partir da dieta vegetariana – o que era bem menos fácil na pré-História.

12. É dificílimo eliminar por completo da minha lista de compras produtos de empresas que fazem testes em animais. Isso significa que não posso me considerar vegana, ou pelo menos não 100%?

Não! Ser vegano significa buscar não colaborar com a escravidão. Não conseguimos fazer isso em 100% das situações, mas isso não nos torna menos veganos(as). O importante é termos clareza das implicações de tudo o que consumimos, e sempre buscarmos melhorias. Em geral, aprendemos bastante com outras pessoas veganas, que podem conhecer um substituto mais ético para um produto que estávamos acostumados a consumir.

13. É impossível ser vegano 100% do tempo. Ouvi dizer que até na borracha do pneu do ônibus que eu tomo vai gelatina.

É verdade. Mas, se você deixar de tomar esse ônibus, a empresa de pneus vai entender que você não quer que ela use gelatina no pneu? Bem pouco provável. Por outro lado, quando deixamos de consumir laticínios (por exemplo), o recado que estamos dando para o explorador é direto. Se as vendas de queijo diminuem hoje, a produção diminuirá amanhã, e menos animais terão de ser trazidos à existência para nos servir. Toda e qualquer iniciativa no sentido de boicotar a escravidão é positiva – mas há de se relevar a efetividade desse boicote, ou seja, se a ideia dos direitos animais está realmente sendo transmitida e absorvida.

14. Se algum dia eu for atropelado, devo pesar igualmente os meus interesses e os interesses dos animais que foram torturados para a fabricação das drogas que vão me aplicar no hospital? Isto é, simplesmente recusar o tratamento, e morrer? Até onde deve ir o nosso respeito pelos outros?

É absolutamente compreensível que, em casos em que algum interesse fundamental nosso esteja em conflito com o de outros (sejam não-humanos ou humanos), tendamos a priorizar o nosso. Mas nem por isso que somos a favor da exploração institucionalizada dos outros. A única situação moralmente aceitável seria se ninguém tivesse sido sacrificado para se desenvolverem as drogas que poderão te salvar no caso do atropelamento (como no exemplo do vizinho já mencionado). Mas, infelizmente, você não pode mudar o passado, apenas o futuro. Assim, não há nenhuma incoerência em você, por um lado, aceitar o medicamento que vai aliviar sua dor e salvar sua vida, e por outro, lutar para que cessem já os testes em animais. A melhor maneira de fazer isso é simplesmente se cuidar, para que o seu uso cotidiano de remédios seja o menor possível.

15.Vocês devem saber que nem todos acreditam em direitos. Para alguns filósofos morais, o que importa é apenas a minimização da dor em todos aqueles que podem senti-la. O que vocês têm a dizer sobre isso?

Que é claro que menos dor é melhor do que mais dor, qualquer um sabe disso. Se as questões concernentes à nossa relação com os demais animais não envolvessem interesses que de outra dimensão que o interesse em não sentir dor, nós realmente não precisaríamos falar de direitos, apenas de maximização de bem-estar. Mas esse não é o caso, como explicado anteriormente. Sob uma ótica utilitarista (uma que desconsidere direitos, por considerar que todos os interesses são comensuráveis), diversas violações abomináveis de direitos podem ser justificadas, não só entre humanos e não-humanos, mas também entre humanos e humanos. Não podemos aceitar que o utilitarismo seja a matriz ética da nossa sociedade.

16. Às vezes, vemos pessoas e grupos que se dizem defensores dos animais, mas não os vemos procurando romper com esse paradigma da propriedade, apenas buscando regulamentar como os animais podem ser explorados por nós. Isso não vai contra toda a teoria de vocês, de respeito pelos animais?

Sim. Esses tais “defensores dos animais” não questionam o uso em si dos animais, mas sim o tomam como uma premissa. Na verdade, eles são tudo com que poderia sonhar o explorador. Nada melhor que pessoas e grupos que posam de “defensores dos animais” colocando para a sociedade que existem maneiras erradas (e, consequentemente, uma maneira correta) de usarmos os animais. Essa é a maneira mais segura de garantir a perpetuação da escravidão. Basta fazer pequenos ajustes de tempos em tempos nos seus detalhes para que as pessoas sempre renovem sua percepção de que ela é natural e aceitável.

17. Eu concordo com vocês que devemos respeitar os animais, mas minha situação financeira não acomoda bem o vegetarianismo. O que fazer?

Se sua situação financeira não acomoda bem o vegetarianismo, ela também não deve acomodar bem o onivorismo. Ou talvez você ainda não tenha se dado conta de como é fácil e barato ser vegetariano(a). Quando uma pessoa se torna vegetariana, ela começa a descobrir todas as gostosuras que estava perdendo quando era onívora. Mas nenhum(a) vegetariano(a) é obrigado(a) a comer carne de soja, tofu, ou alimentos vegetais exóticos. A porção vegana da culinária brasileira, além de usualmente barata, é riquíssima do ponto de vista nutricional.

18. Eu como na rua quase todo dia, assim ficando quase impossível de eu não comer produtos de origem animal. Alguma dica?

É muito fácil encontrar restaurantes por quilo não-vegetarianos em que vegetarianos(as) podem se deliciar. A primeira pergunta costuma ser se o feijão leva carne. Se eles te assegurarem que não (lembre a eles que bacon, por exemplo, é um tipo de carne), e que não foi nem “só cozido” com carne, nem levou algum caldo ou gordura animal, você deve estar num lugar confiável. Às vezes alguma coisa pode levar manteiga ou ovo e não aparentar. O importante é perguntar sempre.

19.Animais matam animais na natureza, essa é a ordem natural das coisas. Por que vocês querem romper com isso? Por acaso vocês também propõem ao leão parar de explorar a leoa e de comer a zebra?

Se nós somos agentes morais, não há por que basearmos nossa ética nos princípios morais do leão em detrimento dos nossos. Aliás, um leão nem pode ser vegetariano na natureza, pois, diferentemente de nós, alguns dos aminoácidos que lhe são essenciais (seu organismo não os consegue produzir) não são obteníveis a partir dos vegetais. O fato de que as pessoas podem ser veganas sem qualquer prejuízo à sua saúde é fundamental para que o vegetarianismo seja considerado a prática alimentar do indivíduo vegano, aquele que respeita os animais.

20. Concordo com a ideia de que os animais devem ser bem tratados, mas acho um tanto exagerada a ideia de que não devemos sequer tratá-los. Eu mesmo crio alguns animais, e posso lhes assegurar que eles têm uma ótima vida.

Qualquer criação de animais não-humanos, seja ou não voltada para o comércio, tem como motivação única o bem-estar de algum humano. Não há nada pior que domesticar um animal. Se o ser humano resolveu se separar da natureza e viver numa selva de pedra, tudo bem – mas nem por isso os outros animais têm que fazer o mesmo. Deixemo-los livres de uma vez por todas – não forçando sua procriação para que suas crias sirvam algum interesse nosso. É lógico que é melhor sermos senhores(as) de escravos bonzinhos do que senhores(as) de escravos vis – mas mesmo nesta situação não deixamos de ser escravos.

21. E quanto a ter animais domésticos, isso é errado?

A existência de animais “domésticos” sem dúvida é um grande problema. Não importa o quão bem nós os tratemos, eles sempre estarão limitados por nossas vontades. Diferentemente das crianças humanas, eles para sempre comerão na hora em que nós quisermos, farão suas necessidades na hora em que nós quisermos, sairão para passear (no caso de cães) na hora em que nós quisermos. Sem exceção, sejam cães, gatos, pássaros ou peixes, ou sua liberdade lhes foi roubada (no caso em que eles foram capturados de um ambiente natural), ou a liberdade de seus pais foi roubada (no caso em que eles nasceram em cativeiro). Nesse último caso, laços familiares também foram rompidos. E não temos que continuar dando nosso dinheiro a gente que faz barbaridades como essas. Por isso, não devemos comprar animais.
Mas é lógico que, quando adotamos um animal abandonado, não estamos dando nenhum suporte à escravidão, mas sim nos comprometendo a dar uma vida o mais decente possível a um indivíduo que já se encontra numa situação de dependência – e isso é ótimo. É importante não nos esquecermos de castrá-lo, a fim de frearmos o uso de animais para entretenimento humano.


22. A carne que eu compro é de um bicho que já foi explorado e morto. Não fui eu quem o escravizou e matou. Assim, não sou eu quem tem de mudar, mas sim os exploradores!

Na verdade, a responsabilidade maior deve recair sobre o consumidor, não sobre o produtor. O último é apenas o executor do crime moral – o primeiro é o mandante. Os(as) produtores(as) só exploram animais porque é o que precisa ser feito se nós queremos continuar tendo a possibilidade de ter animais “de estimação”, queijos-quentes ou gravatas de seda. No momento em que nós não quisermos mais essas coisas e quisermos outros produtos que não envolvem desrespeito, gradualmente ocorrerá um deslocamento do setor escravocrata da economia para setores não-escravocratas, ou mesmo uma mudança dentro do setor até então escravocrata (hoje, no Brasil, grandes cadeias de alimentos a base de carne animal já possuem linhas a base de soja).

23. O que cada um come é uma opção pessoal. Vocês não têm o direito de me dizer o que devo e o que não devo comer!

É verdade, não temos esse direito. Apenas note que, se você se opõe à escravidão, seria uma grande incoerência você comprar ou usar alimentos de origem animal, já que estes necessariamente provêm da escravidão. Logo, coma o que você quiser – mas seja vegetariano(a).

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