quinta-feira, março 18, 2010

A ALIANÇA ABOLICIONISTA MUNDIAL PELOS DIREITOS DOS ANIMAIS – UM PROJECTO URGENTE

Miguel Moutinho 












Sempre pensei que a união dos defensores dos animais poderia ser muito importante e benéfica para estes. Não a mera união pela união, porém. Tal para nada serviria. Nem a união de todos os defensores dos animais. Tal nada significaria. Certamente não a união em nome da quantidade, mas sim da qualidade. Mantenho que seria com efeito bom, importante e benéfico para os animais não-humanos e para a representação social e política destes no mundo a constituição de uma união de qualidade, bem estruturada, de todos (ou, pelo menos, de muitos) os melhores, mais comprometidos e mais leais defensores dos seus direitos fundamentais.

Falo de uma união de pessoas e organizações de qualidade, o que significaria uma união de pensamentos, programas, políticas, estratégias, discursos, mensagens e acções de qualidade. Uma união abolicionista de defesa dos direitos dos animais que elegesse dois objectivos de importância estratégica geral como os seus fins primeiros: (1) a exposição, oposição e educação contra o especismo e contra a visão dos animais enquanto recursos, bens ou instrumentos, e (2) a exposição e defesa do veganismo a ser apresentado como aquilo que realmente é: uma obrigação ética universal - e não uma mera escolha pessoal e subjectiva. Uma união abolicionista que, secundária e complementarmente, definisse como objectivos estratégicos particulares o fim de práticas de exploração e/ou violentação de animais que assentam na visão de que os não-humanos são moralmente menos importantes do que os humanos e de que, nesse sentido, podem ser vistos e tratados como meros recursos, bens ou instrumentos. Exemplos de práticas deste género seriam a abolição particular da manutenção e utilização de animais em circos, da criação, exploração e morte de animais com fins alimentares e da utilização de animais em investigação (supostamente) científica - sem prejuízo, claro está, do trabalho simultâneo a desenvolver pela abolição do especismo e de todas as suas implicações teóricas e práticas, claro está, e da mais sólida implementação da imediata consequência da abolição individual (e também social e política) do especismo: o veganismo.

Em termos numéricos, nunca uma quantidade tão grande de indivíduos não-humanos foi explorada, escravizada, torturada e morta na Terra como acontece actualmente. E tal ocorre de forma implacável, apesar da popularização do conceito político de "bem-estar animal" - justamente porque, enquanto conceito político, nada significa e nenhuma diferença importante faz para os animais, desde logo porque se baseia na crença de que subjugá-los, explorá-los, torturá-los e matá-los não é inerentemente errado e inaceitável, podendo apenas ser considerado inaceitável ou injustificado quando interesses humanos não sejam sacrificados com isso - designadamente interesses associados à realização de prazeres, caprichos, conforto, lazer e/ou rendibilidade material/económica de humanos.

No entanto, e apesar das dimensões deste terrível e monumental holocausto não-humano, poucas e não suficientemente audíveis e firmes têm sido as vozes a erguerem-se contra este horror, contra esta suprema e global injustiça, na qual tropeçamos quase a cada segundo. Em termos de organizações a tomarem posição de denúncia, crítica racional e acção firme abolicionista relativas a esse holocausto, é seguro dizer que os animais não-humanos estão desesperadamente sub-representados. Predominam, e bem sucedidas (não necessariamente, ou mesmo não de todo, para benefício dos animais) as grandes e médias organizações reformistas defensoras do "bem-estar animal", mesmo quando se auto-proclamam defensoras dos direitos dos animais (daqueles que elas mesmas violam, negoceiam e vendem tantas vezes ou mesmo a cada passo), com os seus avultados recursos, captados junto de quem doa generosamente para ajudar estas organizações a ajudar os animais - os mesmos animais que, afinal, acabam tantas vezes por ser mais desajudados do que ajudados por acção das mesmas, mesmo até quando estas anunciam grandes vitórias a respeito das supostas ajudas alegadamente por elas bem conseguidas para benefício destes.

A escravidão animal não pode durar para todo o sempre nem nos devemos resignar e deixar intimidar pelas suas dimensões, com base na presunção de que passarão séculos até que acabe, por mais que nos batamos pelo seu fim. Isso será exactamente o que irá acontecer - mas apenas se nós, defensores abolicionistas dos direitos dos animais, o permitirmos. Munidos com a força da nossa razão e com a justeza das nossas posições e acções, e movidos pela determinação inabalável dos justos que nunca se sabem (nem se querem) sossegar diante da injustiça, é tempo de nós, defensores abolicionistas dos direitos dos animais, juntarmos forças para a realização de um projecto urgente, verdadeiramente vital, do qual dependerão mais do que muitas vidas, que tanto têm a ganhar caso este projecto cedo e bem se realize.

Falo de uma Aliança Abolicionista Mundial pelos Direitos dos Animais, de uma organização sem fronteiras geográficas (porque a exploração dos animais também as não tem) que congregue activistas individuais, grupos informais de activismo de bases e organizações profissionais de defesa dos direitos dos animais segundo uma perspectiva abolicionista. Uma organização que ponha fim à má representação dos direitos dos animais (que actualmente está solidamente implementada num mundo em que até dessa maneira é hostil aos não-humanos), desde logo por meio de uma substituição pró-activa por uma boa, leal, racional, séria e ética representação social e política da importantíssima causa moral dos direitos dos animais, distinguindo-se do que até aqui tem sido dito e feito nesta matéria justamente pela maneira como passará a dizê-lo e a fazê-lo. Uma organização que pode (e deve, porventura) nascer entre o Brasil (país rico em gente de muita qualidade e de muitas qualidades) e Portugal. Uma organização que surja como consequência institucional e prática da discussão e conclusões teóricas acerca dos direitos dos animais e de como estes devem ser promovidos e implementados no mundo que é tão deles quanto nosso.

Em nome da libertação animal, fica o repto - e a ansiosa e interessada esperança por respostas (e propostas).




* N. do E.: mantida a grafia lusitana do texto original.
botao_ineditoTexto inédito.

 Miguel Moutinho
miguel.moutinho@animal.org.pt

Presidente da ANIMAL e dirigente desta organização abolicionista de defesa dos direitos dos animais de Portugal de 2002 a 2009. Fundou o Centro de Ética e Direito dos Animais em 2001, um grupo informal que pretendia reunir cientistas, filósofos e juristas não só para estimular e desenvolver o estudo e a discussão sobre a teoria e prática dos direitos dos animais, num contexto acadêmico e científico, mas também para fazer a ponte com o lado prático da defesa dos direitos dos animais no plano social, político e jurídico. Ativista vegano desde 1998, tem sido um comprometido advogado dos animais não-humanos desde então, procurando por todos os meios fazer avançar o respeito pelos direitos fundamentais destes em Portugal.


Pensata Animal nº 10 - Abril de 2007 - www.pensataanimal.net

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