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segunda-feira, maio 31, 2010

Mais vergonhas da nossa tradição e cultura(?)

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,



E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.



Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!


‘Corrida de caracóis’ e ‘vaca na corda’: tradição de maus-tratos e crueldade em Portugal

Por Lilian Garrafa  (da Redação)
A exploração de animais segue a passos largos em Portugal. Tradição e cultura são confundidos com maus-tratos e ignorância em dois eventos que ocorrem nesta época no país.

(Foto: Reprodução/Folder de divulgação)
O “Grande Prêmio” consiste numa corrida  de caracóis, que aconteceu na noite de sábado em Torneira/Serrião e contou com 49 participantes de Coimbra e do Porto. Os participantes são crianças, surpreendentemente selecionadas pelos estabelecimentos de ensino da região para “conduzirem” os moluscos. Os animais são, de forma bizarra, “trajados a rigor” e pintados para a corrida.  Evidente que as crianças enxergam os pobres moluscos como brinquedinhos, coloridinhos, com os quais podem satisfazer sua ansiedade pueril. Para aumentar a velocidade dos caracóis, os treinadores borrifam os animais com água.
Boi acuado e indefeso na corrida 'Vaca das cordas".
 (Foto: Reprodução/pontedelima.net)
A outra corrida acontecerá na próxima quarta-feira em Ponte de Lima. A corrida da ‘Vaca das Cordas’ é considerada “tradição secular” e leva à vila mais antiga de Portugal milhares de pessoas oriundas não só da região Norte, como da vizinha Galícia. O sádico e covarde ato consiste em milhares de pessoas correndo atrás do boi, que, preso por cordas, é obrigado a fugir dando três voltas na igreja. Às vésperas de Corpus Christi, a tortura exercida por uma massa cegada pela cultura inquestionável assemelha-se à farra do boi feita no Brasil –  outra tradição que, apesar de proibida, continua alardeada por Santa Catarina. Mais uma vez a religião é usada para justificar a crueldade contra animais, que, acuados e sem nenhum direito de defesa, são brutalmente utilizados para exorcismo das frustrações e expiação dos “pecados” humanos.
Fonte: ANDA

terça-feira, março 16, 2010

Verónicas, chicuelinas e cultura

Verónicas, chicuelinas e cultura



2010-03-09

Uma associação de forcados amadores "lá do Sul" organizou um espectáculo de beneficência que - é evidente - seria constituído por um festival taurino. Um dos beneficiados (mas que despudor!) seria uma associação… de amigos dos animais. Que, vá lá!, teve o bom senso de recusar a ajuda de "um festival que tortura animais".
A tal não ter acontecido, aceitar-se-ia que, a seguir, e para ajudar qualquer associação de apoio às vítimas da violência doméstica, um clube de boxe sugerisse conseguir fundos com um combate entre um homem e uma mulher (de preferência ele de luvas e ela de mãos nuas).

Estas minhas considerações devem-se, se calhar, ao facto de ser um bota-de-elástico que não aprecia espectáculos tão… tão… (falta-me o adjectivo!) como a tourada ou o boxe. Ora sucede que este até é conhecido por "nobre arte" e aquela é considerada por muitos como uma das mais nobres ainda tradições nacionais (e é por isso que mesmo uma TV oficial como a RTP não tem problemas em nos brindar com transmissões directas e integrais da arte de bem cavalgar toda a sela e torturar todo o touro).

Mas estarei errado - pelo menos pensará a ministra da Cultura, pois acaba de criar uma Secção de Tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura. Houve quem se indignasse - mas, afinal, não será Gabriela Canavilhas que está certa? Os passos elegantes dos cavaleiros não serão um autêntico ballet? O sangue que jorra dos golpes das bandarilhas não lembrará teatro de tragédia do melhor? O amontoado de forcados dominando o touro não sugerirá uma obra de estatuária? O coro dos olés não pedirá meças aos coros wagnerianos?

Portanto!... Há de facto que olhar estes assuntos de cultura com espírito aberto, moderno, como, aparentemente, o da ministra.

terça-feira, março 02, 2010

"Viva la muerte"




"Viva la muerte"


2010-02-23

Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura. Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas. É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura. Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas. O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno. Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura...

"Morrer como um Touro"

O Ministério da Cultura resolveu criar uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura a pretexto de que lidar touros seria uma tradição cultural portuguesa a preservar. Mas a tradição é mais antiga, do tempo em que humanos e animais lutavam na arena para excitar os nervos da multidão com o sangue e a morte anunciada. A piedade, que é um valor mais antigo do que Cristo, veio, na sua interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais.

Há um momento nas touradas em que o touro, muito ferido já pelas bandarilhas, o sangue a escorrer, cansado pelos cavalos e as capas, titubeia e parece ir desistir. Afasta-se para as tábuas. Cheira o céu. Vêm os homens e incitam-no. A multidão agita-se e delira com o sangue. O touro sabe que vai morrer. Só os imbecis podem pensar que os animais não sabem. Os empregados dos matadouros, profissionais da sensibilidade embaciada, conhecem o momento em que os animais “cheiram” a morte iminente. Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido. A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou

Os toureiros têm pose que se fartam (e com a qual fartam toda a gente). Pose de hombre, pose de macho. Mas os riscos que de facto correm são infinitamente menores que a sorte que inevitavelmente espera os touros, que o sofrimento e a desorientação que infligem aos touros para o seu próprio prazer e o da multidão. Dá vontade de dizer que quem se porta assim, quem mostra orgulho de se portar assim, tem entre as pernas, e não apenas literalmente, órgãos bem mais pequenos que aqueles que os touros exibem. Os toureiros são corajosos mas entram na arena sabendo que haverá sempre quem os safe, senão à primeira colhida, então à segunda. Às vezes aleijam-se a sério e às vezes morrem, o que talvez prove que os deuses da Antiguidade são justos, vingativos e amigos de todos os animais por igual. Os touros, esses, não têm ninguém que os vá safar em situação de risco, estão absolutamente sós perante a morte. Querem os toureiros ser hombres até ao fim? Experimentem ser tão homens como eram os homens e os animais na Antiguidade: se ficarem no chão, fiquem no chão. Morram na arena. É cultura. A senhora ministra da Cultura certamente compensará tão antigo costume.

Também era da tradição, em Portugal por exemplo, executar em público os condenados, bater nas mulheres, escravizar pessoas. Foi assim durante milénios. Ninguém via mal nenhum nisso a não ser, confusamente, com dúvidas, as próprias vítimas. Até que a piedade, na sua interpretação moderna e laica, acabou com tão veneráveis tradições.

Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?




Paulo Varela Gomes, “Cartas do Interior”, Público, 27 de Fevereiro de 2010