segunda-feira, outubro 24, 2011

O raio das touradas ou o assunto que já cheira mal.

Fazendo apenas uma pequena introdução histórica e apesar de eu (enquanto aluna) e o Iluminismo (bom, a História em geral) nunca nos termos dado muito bem, quae sunt Caesaris Caesari, foi graças à corrente iluminista que muitas actividades bárbaras (criadas maioritariamente na época medieval) se extinguiram. Aqui, em Portugal, depois de várias tentativas e pedidos para as touradas acabarem (lembro-me do primeiro que se conhece feito pelo Papa Pio V em 1567) conseguiu-se, pelo menos, em 1836 (reinado de D. Maria Pia). Depois, este cúmulo da falta de probidade foi apenas autorizado à Casa Pia e às de Misericórdia, foi criado o Campo Pequeno e outras estruturas com o mesmo propósito em vários pontos do país e chegámos ao ponto de hoje: é uma prática normalíssima que nos diverte imenso... qual luta de gladiadores no Coliseu de Roma.
Isto é o pouco que sei sobre a história desta actividade mas nem precisamos de saber nada para perceber que é algo que não se enquadra nos valores e na moral da sociedade contemporânea.
As touradas são, de facto, uma tradição (importada de Espanha), mas vamos lá ver se nos entendemos, as tradições, como sabemos, são práticas com origem nos tempos antigos onde as mentalidades e estilos de vida eram muito diferentes dos actuais. Isto porque, com o passar do tempo, o Homem tem tendência a alterar o que o rodeia, bem como a ele próprio, de modo a aperfeiçoar o seu modo de viver e pensar. A isso se chama evolução. É por isso que já não enforcamos criminosos nem temos escravos. Criaram-se e aperfeiçoaram-se valores e temos de saber aceitar esta evolução em todos os aspectos e não apenas quando nos dá jeito... sabendo, não que estamos a ir contra a nossa pátria ou contra a nossa história, mas que estamos a aperfeiçoar a nossa sociedade, a tornar o nosso país um país melhor, porque nem tudo o que é antigo é bom... e a maior tradição da Humanidade é mesmo a evolução.
Como o mal fadado argumento da tradição há muitos outros... todos eles já muito gastos, mas vamos tentar dar uma última resposta a alguns dos mais conhecidos e utilizados.
E dizem eles: “mas é que sem as touradas a raça Touro Bravo extingue-se”. Não é preciso pensar muito para perceber que isto é falso. O Lince Ibérico, a Águia-Real e outros animais em perigo de extinção nunca foram usados para as touradas e, felizmente, graças às reservas que hoje existem, estão protegidos de desaparecerem. Mas nem precisamos de ir tão longe, os aficionados que tanto afirmam amar os touros com certeza que arranjariam uma forma de proteger o Touro Bravo sem que posteriormente o matassem... ou sem que o tivessem de usar para algum fim lucrativo.
Vamos ao próximo que é de uma inteligência chocante. Diz quem defende as touradas, caríssimo Miguel de Sousa Tavares incluído: “então, não gostam não olhem”. Perante um argumento tão... vá... estúpido, nem sei bem que dizer mas tentemos isto: felizmente na nossa sociedade as coisas não funcionam assim. Melhor que ninguém saberá MST que quando algo não está bem, nós, enquanto cidadãos, temos o direito e até a obrigação de lutar para a resolução do problema... as culpas não são só do Governo e os méritos não são só de Deus Nosso Senhor. Não andamos todos a olhar para o próprio umbigo e a borrifar-nos para os problemas que nos rodeiam. Mais: ao contrário dos aficionados, quem se revolta contra as touradas não o faz por satisfação pessoal, ou porque lhe pagam (como sugeriu há uns tempos um senhor nitidamente informado sobre a área da “defeza” dos animais). Quando nos esforçamos para que esta tortura à dignidade acabe, fazemo-lo porque sabemos que as touradas são um reflexo dos tempos onde as pessoas não tinham a capacidade e flexibilidade intelectuais para dar conta de certos valores fundamentais que agora tanto estimamos... ou se tinham, não tinham a liberdade para o exteriorizarem. Eu, ser capaz de usar a razão e o discernimento para perceber que matar um animal depois de o torturar, para simples júbilo de seres ditos mais inteligentes, é errado, sinto-me na obrigação de lutar pelo que sei ser certo. Porque a minha vida não tem lugar num qualquer mundo encantado e privado... mas no mesmo mundo que o vosso.
E podíamos estar aqui mais umas dezenas de linhas a contra-argumentar. Não me parece necessário. Parece-me fundamental, isso sim, que se entenda que, independentemente do argumento a favor da tourada, não há qualquer fundamento moralmente aceitável para torturar um animal com fins de entretenimento.
O meu desejo é que se perceba que o assunto está esgotado, que não há mais maneiras de explicar isto, que é algo demasiado evidente (tão evidente que os próprios argumentos contra já cansam) e que as touradas são um problema de todos nós e não apenas de quem dedica mais tempo ao assunto.

por Ana Duarte

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