segunda-feira, agosto 09, 2010

Nem o sarro arranha a Espanha

Vegano: desobedecendo - Ellen Augusta Valer de Freitas *



Parte 1


Catalunha, Espanha (Foto: Locr.com)
Os países podem ser analisados como se fossem indivíduos e se comportam muitas vezes como tal.
É sabido da nossa relação de colonizador/colonizado entre Portugal e Brasil, sendo Portugal apenas um dos países que por aqui pisaram.
Eu e muitos brasileiros nutrimos um carinho especial por Portugal e seu povo, assim como a recíproca acontece. Tenho amiga lá em Portugal e amiga aqui que veio  de Portugal.
Uma coisa que me entristece muito é bairrismo, um tipo de preconceito esquisito, que afeta pessoas que “amam” demais a sua terra.
Um destes dias, acompanhando alguém num hospital, pude ver como a humanidade frágil, se coloca sempre acima dos outros. Mesmo ali, num ambiente que claramente nos dá um tapa na cara, na nossa condição de animais humanos, mesmo ali pude ouvir uma piada preconceituosa.
“Fui para a Argentina e me perguntaram se eu era brasileiro. Respondi: Brasileiro, não! Gaúcho!”
Nossa! Ainda bem que a pessoa em questão estava na Argentina, que conhece a palavra gaúcho, pois, se fosse em determinados países, simplesmente a piada não teria sentido!
Nascer aqui, acolá, ter a sorte ou azar de ser brasileiro, não me importa.
A sensação de que nossa terra é especial é ilusória.
Há lugares belíssimos no mundo inteiro e quem ama viajar e já provou o gostinho de estar em outra cultura, de abrir a janela e ver a brisa do mar de um outro lugar (que pode ser o mesmo mar que banha o continente, e que ao mesmo tempo nunca será o mesmo), pode ter uma ideia de que há coisas especiais e pessoas especiais no mundo inteiro.

Catalunha, Espanha (Foto: Locr.com)
Há poucos dias recebemos a notícia de que em Catalunha, Espanha, as touradas foram proibidas.
Já li relatos de quem presenciou touradas e achou uma barbárie, mas, apesar do barbarismo, com certeza nestes países há pessoas que lutam pela justiça e pela paz.
Práticas bárbaras são praticadas no mundo inteiro e defendidas com o nome de “cultura”. Em dado momento é interessante usar o argumento de cultura, em outro, apenas chamar o ato de crime. Depende muitas vezes de interesses políticos e econômicos.
Pois touradas, vaquejadas, rodeios e outras práticas de gosto duvidoso envolvendo abuso e morte de animais acontecem em diversos lugares do mundo, aqui no Brasil e também em nosso Estado.
Mas há uma corrente de pessoas que têm ativamente se posicionado contra tais práticas. Nestes últimos dias, houve um caso aqui no Rio Grande do Sul de um senhor que resolveu andar a cavalo dentro d’água gelada do Guaíba. Mesmo que o cavalo tenha sido bem tratado, domado de “forma racional” etc. etc., fico me perguntando  qual o sentido de práticas como estas, que mais parecem um exibicionismo e nada têm a ver com a cultura gaúcha? Essas atitudes suscitam “ideias” de exibicionismo coletivo como o caso da cavalgada do mar, prática criticada inclusive pelo Paixão Cortes.
*Trecho de música de Caetano Veloso




Porto Alegre: cidade com muitas opções para veganos e vegetarianos (Foto: Ellen Augusta)
O gaúcho é conhecido pelo bairrismo exagerado, isto é fato. Eu nada tenho a ver com esta cultura. Nasci aqui por acaso somente. Poderia ter nascido em lugares piores ou melhores. Se faço parte de coisas bonitas como o chimarrão e algumas canções nativistas que tenho imenso respeito, por outro lado há um exibicionismo sem igual, que apenas mostra o quanto de ego a humanidade inteira possui e que não serve para nada e do qual não participo, juntamente com milhares de gaúchos que nem sequer se preocupam com isso.
As pessoas que não nos conhece muitas vezes acham que andamos sempre de bombacha/vestido de prenda e falando aquele sotaque padrão que a mídia divulga, mas a verdade é que aqui existem muitas culturas, sotaques, povos e que muita gente nem sequer participa de determinados rituais tradicionalistas.
É só pensarmos, por exemplo, na força da colonização italiana e alemã.

Churrasquinho vegano do Restaurante Casa Verde (Foto: Ellen Augusta)
Aqui mesmo na terra do churrasco há uma cultura muito forte da alimentação vegana (alimentos sem produtos de origem animal, carnes, ovos e leite).
Veganos  não consomem nada que tenha produtos de origem animal,  buscando e inventando alternativas. Não usam roupas de pele de animais como o couro (tão idolatrado por aqui) e também evitam ao máximo possível o uso de produtos testados em animais. Trata-se de ativismo político, ambiental e pessoal, pois os veganos geralmente buscam entrar em contato com empresas, políticos e participam ativamente nas mudanças que vêm ocorrendo, principalmente aqui no Rio Grande do Sul.
É uma atitude revolucionária e que vem crescendo muito em diversos países por motivos ambientais e éticos.

Lazanha feita com queijo vegetal no Restaurante Casa Verde (Foto: Ellen Augusta)
Aqui no Brasil, o Rio Grande do Sul é o Estado que mais tem opções vegetarianas e veganas. E é aqui mesmo que as pessoas inventam, usam a criatividade para inventar até mesmo o “queijo” 100% vegetal, que foi produção do Restaurante Vegano Casa Verde. Neste mesmo restaurante está sendo servida a primeira cerveja com selo vegan do Brasil e também adequada para celíacos.
Temos um bar noturno totalmente vegano com práticas de permacultura, temos tele-pizza e pizzaria noturna vegana e diversos restaurantes vegetarianos e veganos.  Produtos veganos, docerias veganas, opções de roupas e diversos itens. Tudo com muita criatividade e atitude.

Sanduíche feito com queijo vegetal produzido pelo Restaurante Casa Verde (Foto: Ellen Augusta)
A cultura pode e deve mudar ao longo do tempo.  O que antes era apenas atitude de alguns “lunáticos” ou “xiitas” (acreditem, já teve gente preconceituosa que nos chamou assim e que depois foi encontrada em um dos restaurantes veganos da capital), hoje é algo comum, difundido, e a cada dia as empresas estão “acordando” para o filão de mercado, que é fornecer alternativas ao uso de animais, seja onde for.
Nosso Estado está na frente de muitas atitudes louváveis, mas isto não porque o RS é o maior, o mais bonito ou o mais inteligente. Não. É apenas porque aqui as pessoas resolveram ir atrás das suas conquistas, acreditaram e lutam ainda por melhoras. Em outros estados do Brasil também há conquistas maravilhosas na área do direito dos animais que aqui mesmo ainda não conquistamos. Nos servem de exemplo, como a proibição das feiras de filhotes e outras formas de exploração de animais.




Parte 3





Portugal, arquitetura que lembra muito alguns lugares de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que teve imigração portuguesa. (Foto: José Cerqueira)
Há muito tempo, quando a Argentina estava com problemas financeiros, eu recebia diversos e-mails de quem não tem mesmo o que fazer, com piadas idiotas sobre a situação da Argentina em relação ao Brasil e ao Rio Grande do Sul. E sempre respondia com a seguinte pergunta: e se amanhã formos nós os atingidos por uma crise qualquer? (O Brasil não é exatamente um exemplo de qualquer coisa!)
Recentemente tem circulado pela Internet uma “campanha” exigindo que a Argentina não participe da Copa de 2014.
Quando o Brasil perdeu a Copa, vimos na televisão críticas ao desempenho da Argentina, como se o Brasil não estivesse também na mesma situação lamentável, mas talvez ainda mais lamentável, pois, em vez de aceitar a perda, parte para cima dos outros, com críticas sem nem mesmo ver como estão os jogadores do Brasil. Quanto absurdo! Pois a Argentina, assim como Portugal nos deu um exemplo de civilidade e evolução ao legalizar os direitos civis aos homossexuais, com a aprovação do casamento.
Casamento homossexual nada tem a ver com religião, é um direito! Aqui, onde as mentes estão amarradas à religião, ainda há muito o que discutir sobre o assunto. Nós todos perdemos com isso.
A cultura e o tradicionalismo, sejam de que região do mundo forem, geralmente estão intimamente ligados a interesses econômicos e políticos. Muitas tradições apenas veneram os verdugos que as escravizaram, apenas idolatram patrões e cultuam a ode ao explorador. Claro que há coisas bonitas, mas nota-se um interesse muito grande em manter certas tradições, que de outra forma acarretariam perdas monetárias gigantescas.
A população muitas vezes cai na ingenuidade de achar que tudo que existe é assim e pronto. Dificilmente acha tempo para questionar-se sobre o porquê de fantasiar-se de determinado papel, apenas participa de forma autômata, e os poucos que questionam são desafiados com infâmias e até mesmo ameaças.
Volto a trazer a lembrança das terras que conheci, das que não conheci mas admiro sua arquitetura, natureza e povo, pois no mundo inteiro há belezas incríveis. Dos viajantes que andam por aí à procura de conhecimento, das pessoas que têm o coração em diversas terras, pois obviamente temos carinho por um lugar ou outro, mas a vir achar que somos os melhores do mundo já é demais.
Tenho especial carinho por Portugal, por ser uma terra que tem poetas, músicos e pessoas interessantes, lugares incríveis e fascinantes. Tenho uma amiga lá que é vegana e ama o Brasil. Ela pesquisa os costumes brasileiros assim como eu pesquiso os costumes portugueses. Sei lá por quê. Se por curiosidade, se por uma ligação genética/cultural, não importa. O fato é que não vivo no delírio de que este ou aquele lugar é o único lugar que existe.
Aqui também tenho uma amiga portuguesa, que me contou algumas histórias de preconceito que sofreu ao chegar aqui, já que ela tem curso superior e fala diversos idiomas, e acabou sendo uma “ameaça” para pessoas preconceituosas que a discriminaram por ser de outro país.
Todos os lugares são positivos se nossa atitude for positiva. Eu me sinto bem em qualquer lugar e aqui, na terra do churrasco, do machão e do patrão, eu luto por justiça e sou uma pessoa normal. Brasileira porque nasci aqui e não porque é época de Copa do Mundo. Gaúcha porque nasci aqui e não porque querem que eu acredite nesta ou naquela cultura.





*Ellen Augusta Valer de Freitas é licenciada em Biologia pela Unisinos, RS. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq no Instituto Anchietano de Pesquisas, tem experiência na área de Ecologia com ênfase em Zooarqueologia. Trabalha para uma ONG nacional em pesquisa de produtos, é articulista da Agência de Notícias dos Direitos Animais, fundadora do grupo ativista Vanguarda Abolicionista, e atualmente está ingressando na Comissão de Ética no Uso de Animais de um grande hospital gaúcho. Tem 30 anos, é vegana e ativista pelos direitos animais, casada com um jornalista também vegano e ativista.



Fonte: ANDA


* Ellen!
Obrigada pelas tuas palavras, pelo teu carinho por Portugal, sabes que é mútuo!
Uma amiga muito querida!

1 comentário:

  1. Oi, que tri!!! Viu que pensei em ti quando escrevi a primeira parte?? Ainda tem mais a terceira parte(é, escrevi muito... e acabei dividindo o texto para ficar mais claro)...
    obrigada por publicar
    essa semana estou ocupadíssima, mas quero falar contigo em breve... grande abraço e ótima semana!

    ResponderEliminar