domingo, março 28, 2010

'Maioria dos espanhóis se envergonha das touradas', diz ativista

Seu grupo obteve 180 mil assinaturas pedindo o fim da tradição na região. Para ele, decadência das touradas é sinal de 'evolução da sociedade'.


O ativista Manel Maciá Gallemi é um dos responsáveis pela criação da Plataforma Prou! (ou “Basta!”), que pode decretar o fim das touradas em toda a região da Catalunha. Com a participação de 800 voluntários, conseguiram colecionar 180.169 assinaturas (quando apenas 50 mil eram necessárias) em quatro meses favoráveis à proibição das corridas de touros.

Presidente do Partido antitaurino contra os maus tratos dos animais (Pacma), tem fé de que, em um futuro não tão longínquo, todo o país estará livre do que ele chama de as touradas. 


G1 – Como a “Prou!” começou e quais são seus êxitos e objetivos?
Gallemi –
 Nossa associação foi formada em agosto de 2008, com o objetivo de criar uma ILP (Iniciativa Legislativa Popular) no Parlamento Catalão. Começamos com onze membros de diferentes organizações de defesa animal. Não nos aliamos com qualquer partido político em especial. Nossa ideologia é combater o sofrimento dos animais e, nesse caso da Catalunha, abolir as touradas o símbolo da crueldade do homem para com os animais. Nossa única ação foi criar e apresentar a ILP ao Parlamento.

G1 – O site official de vocês foi violado na semana passada. Vocês tem sofrido algum tipo de pressão mais agressiva por parte dos taurinos?
Gallemi –
 Recebemos alguma ameaças via-e-mails. Porém, hackear nosso site foi a ação mais efetiva deles. O lobby taurino é muito forte na Espanha e eles provavelmente farão tudo o que puderem para persuadir os deputados catalães a votarem contra a proibição, com medo de um efeito dominó.

G1 – A tradição da Tauromaquia é muito antiga na Espanha. Em muitos países, muitas vezes o país é associado com o touro. Por que esse laço é tão forte?
Gallemi –
 Muitos espanhóis sentem-se envergonhados por serem automaticamente associados à tourada. Essa associação não é mais representativa do que, por exemplo, o inglês com seu chapéu-coco. É normal para todos reduzirmos uma nação a um estereótipo, mas isso é feito sem reflexão. Pois, embora nos associem com a imagem do touro, normalmente não sabem o que se passa em uma tourada.

G1 – Por que as touradas devem ser banidas da Catalunha? Qual é a popularidade do evento em relação a outras regiões do país?
Gallemi –
 A popularidade desse evento na Catalunha decaiu muito. Atualmente, só parece ter mantido sua popularidade entre os homens mais velhos. Surpreendentemente, a popularidade das touradas na Espanha não é tão grande quanto se imagina. O movimento antitaurino é muito forte em outras regiões do país e, só na Andaluzia, um dos principais redutos do evento, tivemos onze demonstrações contrárias. E não podemos esquecer a grande manifestação que estamos preparando neste domingo (28) em Madri.

G1 – Vocês planejam abolir as touradas em todo o país, mesmo em regiões onde ela é mais forte? Seria uma possibilidade realística a curto prazo?
Gallemi –
 Somos todos voluntaries aqui e não temos outros planos após essa ILP. Mas esperamos que o exemplo se espalhe. Mas primeiro vamos ver o que se passará na Catalunha.

Foto: Susana Vera/Reuters

Em passeata contra as touradas em Madri, manifestantes simulam o sofrimento dos touros, enquanto a mão simboliza o lema do movimento: 'Basta!' (Foto: Susana Vera/Reuters)


G1 – A “Prou!” tem provocado repercussões no resto do país?
Gallemi –
 Sim, nunca tivemos tantos debates na televisão e nas rádios, nem tantos artigos publicados em jornais a respeito. Pelo menos esse tema tem sido mais discutido livremente e as pessoas se tornado mais conscientes a respeito do sofrimento dos animais.

G1 – Por outro lado, a proibição às touradas não seria interpretada como uma violação contra os direitos individuais?
Gallemi –
 Os socialistas interpretaram por esse ângulo. Que a proibição limitaria nossa liberdade individual. Não concordamos com esse argumento porque neste caso se configura um elemento de crueldade. Veja, todas as democracias limitam a liberdade quando isto serve para beneficiar os interesses da sociedade como um todo. Por exemplo: fumar é permitido, mas em determinadas áreas, não. E isso é aceito. Também levamos em conta o direito do touro de não ser torturado e assassinado em um espetáculo público.

G1 – Em teoria, qual situação seria mais aceitável: uma lei que proibisse a Tauromaquia em todas as suas variações; ou um contínuo declínio de interesse de todos os espanhóis que acabasse decretando o fim das touradas por morte natural?
Gallemi –
 Torcemos por uma proibição imediata porque estamos defendendo os animais acima de tudo. Torço para que os politicos também pensem assim e obtenham uma vitória da ética sobre essa tradição bárbara.

G1 – A decadência da Tauromaquia pode ser considerada uma evolução na sociedade espanhola?
Gallemi –
 Não tenha dúvida. Lembre-se: as touradas morreriam amanhã mesmo se não existisse um pesada subvenção do pode público.

G1 – A “Prou!” é uma entidade anti-especista? Ou vocês consideram ser possível se aliar à luta contra as touradas sem seguir os preceitos do animalismo ou do veganismo?
Gallemi –
 Claro que é possível. A maioria das pessoas abomina o sofrimento desnecessário aos animais, mesmo que elas comam carne. Elas em geral fazem distinção entre o sofrimento gratuito para entretenimento e o sofrimento necessário envolvido na produção de carne.



Fora da Espanha, touradas são populares em Portugal e na América Latina

Nos “pegas”, em Portugal, touro é enfrentado à mão e não morre na arena.
Antitaurinos classificam evento como tão ou mais cruel do que na Espanha

Apesar de ser muito associada à Espanha, a tourada é um evento que também tem tradição em Portugal, algumas regiões no sul da França e em países da América Latina, principalmente em México, Colômbia, Guatemala, Peru e Venezuela. Associações espanholas já conseguiram exportar o evento esporadicamente para a China. 

No vizinho ibérico, as pressões contra as touradas também são cada vez mais freqüentes. Entretanto, elas possuem características radicalmente diferentes das demais “festas” ocorridas em outros países. Principalmente porque a morte dos animais nas arenas é proibida desde 1928 – embora em 2002, elas tenham voltado a ser autorizadas em algumas cidades.

A “tourada à portuguesa” mais tradicional é realizada em duas etapas: a do “cavaleiro” e o “pega”. Na primeira, um homem montado a cavalo enfrenta o touro com o objetivo de acertar de três a quatro bandeirilhas nas costas do animal. Em seguida, no “pega”, oito homens, chamados de “forcados”, enfrentam o touro sem qualquer aparato de defesa, com o objetivo de imobilizá-lo com as mãos. Um deles fica à frente, provocando-o e fazendo caretas. Quando é atacado, ele tenta atracar-se nos chifres do animal, enquanto os outros sete tentam pará-lo pelas laterais.

Embora seja habitualmente propagado pelos taurinos portugueses como um espetáculo mais brando, na Espanha essa visão é criticada tanto pelos defensores das touradas quanto por seus críticos.

“As touradas à portuguesa são tão cruéis ou piores do que o estilo clássico praticado na Espanha. O touro sobrevive à arena mas é morto logo depois do evento ou no dia seguinte por um açougueiro profissional. Ou seja, ele tem de esperar durante horas lidando com os inúmeros ferimentos que sofreu até receber seu golpe de misericórdia”, explica Manél Gallemi, ativista e diretor da plataforma antitaurina catalã “Prou!”.

Os defensores das touradas acreditam que, sem a possibilidade de morte do toureiro e sem a certeza de morte do touro, o espetáculo não teria sentido para o público espanhol. Segundo explica o filósofo Francis Wolff no livro “50 Razões para Defender as Touradas”, esses elementos são necessários para manter o “valor cultural” do evento. Nenhum dos dois lados cogita adotar o modelo português como alternativa.

Nem mesmo uma variação da tourada portuguesa, a “luso-californiana” é bem vista pelos dois lados. Nelas, foram conservados o estilo e as regras da corrida portuguesa, mas sem que ocorra derramamento de sangue. O touro é protegido por um colete de velcro. As bandeirilhas, por sua vez, não possuem pontas de metal, apenas colam no colete quando são lançadas.

Foi criada por imigrantes portugueses residentes na Califórnia, que não poderiam repetir as experiências ibéricas devido às leis mais rígidas de proteção animal ocorridas no Estado americano.

Além deste terceiro modelo não despertar qualquer interesse nos defensores da tourada tradicional, também provoca críticas dos antitaurinos, que consideram errado explorar animais dessa forma. “Somos contra esse tipo de festividade. Ainda por cima, o lobby pró-Tauromaquia é contra qualquer modificação radical de suas tradições”, afirma Gallémi.



Em xeque na Catalunha, touradas viram foco de debate na sociedade espanhola

Parlamento da região poderá proibir as tradicionais corridas de touro.
Discussão agita diversos setores do país, favoráveis e contrários à medida


A Espanha passa nos últimos meses por um debate acalorado que pode decidir o futuro de uma de suas mais conhecidas e características tradições: as touradas. O Parlamento da Catalunha tem realizado uma série de debates que podem levar à proibição de qualquer evento relacionado às festas com touros na região. A expectativa das entidades a favor do banimento, compostas em sua maioria por ativistas ambientais, e o temor dos que a defendem, liderados por profissionais da área e setores mais conservadores da sociedade espanhola, é de que a iniciativa seja imitada em outras regiões do país.

Neste domingo, em Madri, está programada uma grande manifestação pedindo o fim das touradas e em protestos com a declarada defesa do governo local ao evento. 50 mil manifestantes são esperados para marcharem da Plaza de La Villa até a Plaza del Sol. 

Foto: Dominique Faget?AFP

Protesto 'A Tortura Não é Arte nem Cultura' tem início em Madri. Ativistas esperam público de 50 mil pessoas em condenação às touradas, que podem ser declaradas Bem de Interesse Cultural na Comunidade de Madri. Espetáculo corre risco de ser banido na Catalunha. (Foto: Dominique Faget/AFP)


Nunca a legitimidade das touradas, ou corridas de touro, ou “fiestas” para os mais aficionados, foi tão discutida no país. Afinal, trata-se de um evento que existe nos moldes atuais há cerca de 200 anos, chegando ao ponto de tornar-se um estereótipo da Espanha. Os dois lados tem recebido apoio público de personalidades políticas e artísticas de todo o país e até mesmo do exterior, como o Rei Juan Carlos, confesso defensor da tradição, e o Dalai Lama, que a classificou como uma “prática cruel”.

Leia também: Defensores das touradas acusam opositores de incitar separatismo catalão. 

G1 entrevistou ativistas que defendem as duas tendências. Luis Corrales  é diretor da Plataforma para a Promoção e Difusão da Fiesta, entidade criada depois que as primeiras restrições legais na Catalunha começaram a tomar corpo em 2004.

Manel Maciá Gallemi , do grupo "Prou!" ("Basta!", em catalão) é ativista e defensor dos direitos dos animais, e um dos principais articuladores da proposta de proibição das touradas na região catalã.

O único ponto que parecem ter em comum é que suas causas vão além da defesa das touradas: ambos esperam que a decisão final do parlamento catalão sobre o tema, ainda sem data de votação definida, poderá marcar um novo rumo para a sociedade espanhola.

As razões pró
Os defensores da Tauromaquia – termo dado ao conjunto de tradições que envolvam embates entre homens e touros, no qual se inclui as touradas – são chamados de taurinos. O filósofo Francis Wolff, autor do livro “50 razões para defender as Corridas de Touro”, afirma que elas representam um gosto por uma expressão artística que tem mais a ver com a modernidade e não com a apologia da violência ou da brutalidade.

Na verdade, seria o contrário: segundo Wolff, trata-se de uma violência natural sendo ritualizada e sublimada. As touradas não teriam sentido se o touro não morresse ao final nem se o toureiro não corresse o mesmo risco.

Foto: Marcelo del Pozo/Reuters

Famoso matador espanhol Jose Tomaz durante performance em uma arena próxima´à cidade de Olivenza, próxima a Badajoz. Além da oposição dos ativistas, touradas sofrem com constante perda de interesse dos espanhóis. (Foto: Marcelo del Pozo/Reuters)

Os taurinos adotam esse nome por alegar que são os maiores admiradores e defensores dos touros. Justificam seu negócio alegando que, além de gerar milhares de empregos, os animais são mais bem tratados do que os bovinos destinados à produção de alimentos, pois são criados e campo aberto e “sofrem apenas no último dia de vida”. 

As razões contra
O argumento central e que, para seus defensores, justifica toda a mobilização dos antitaurinos, gira em torno do sacrifício desnecessário e aos maus tratos infligidos aos animais. Para os favoráveis à proibição, não há cultura, tradição, negócio ou direito individual que justifique um animal entrar em uma arena, ser alvejado por lanças (bandeirilhas), humilhado e por fim, executado com uma espada atravessando sua cabeça. São consideradas por eles práticas de “barbárie” e “tortura”.

Gallemi , por sinal, refuta as alegações de que todos os touros bravos são bem tratados e criados em campo aberto, além de criticar que eles vão para a arena muito jovens. “Se um grupo de animais existe somente para ser torturado e morto, então é melhor que seja extinto”.

Popularidade
Com mais de cem anos de história, as corridas de touro organizadas no formato evento cultural e econômico enfrentam uma de suas piores crises. Além das cada vez mais constantes e barulhentas críticas de seus opositores, as “corridas de touro” sofrem com a diminuição e o envelhecimento do público nas arenas, além de terem sido afetadas pela crise econômica do país.

De acordo com o diário El Pais, em 2009, só se realizaram 900 grandes espetáculos tauromáticos na Espanha, 350 a menos do que em 2008. Em queda na Catalunha, as touradas seguem relativamente populares nas comunidades de Madri, Andaluzia, Extremadura e Valencia.

Leia também: Fora da Espanha, touradas são populares em Portugal e na América Latina. 

A última grande pesquisa de opinião sobre o tema foi realizada em agosto de 2008, pelo instituto Investiga-Gallup. O resultado não poderia ser mais desanimador para as “corridas de touro”: 67% dos espanhóis, ou seja, quase dois terços dos entrevistados, não tem qualquer interesse pelo tema. Entre os mais jovens, esse número sobe para 85%. A falta de interesse é majoritária até mesmo entre os homens com mais de 65 anos: apenas 41% são um pouco ou muito interessados. Entretanto, não há uma pesquisa clara a respeito que cogite a proibição do evento.


Foto: Daniel Ochoa de Olza/AP

Milhares de pessoas participaram neste domingo da manifestação 'Tortura não é Arte nem Cultura', em Madri. Militantes antitaurinos apoiam projeto que pode banir as touradas na Catalunha e criticam intenção do governo local em transformá-las em bem de interesse cultural. (Foto: Daniel Ochoa de Olza/AP)


Bem cultural
Uma das principais razões para a manifestação de Madri programada para a tarde deste domingo foi a recente decisão da presidente da Comunidade de Madri, Esperanza Aguirre, do conservador e pró-taurino Partido Popular (PP), em transformar as touradas em um Bem de Interesse Cultural (BIC). Na prática, essa mudança inviabilizaria qualquer tentativa legal de proibi-la. Não houve qualquer tentativa por parte de sua equipe em negar que o ato foi uma retaliação ao debate na Catalunha, região rival e de natureza nacionalista. Entretanto, Aguirre não admite sua intenção abertamente.

Seu argumento era de que a “Fiesta” “é uma manifestação artística que merece ser protegida. Desde tempos imemoriais pertence à cultura espanhola e mediterrânea. Pablo Picasso, Francisco de Goya, Federico García Lorca e estrangeiros como Ernest Hemingway e Orson Welles trataram das touradas como arte”, argumentou Aguirre em seu discurso de defesa.

“Obviamente somos contra essa manobra. Sofrimento, tortura e morte não podem ser de interesse cultural. A arte de verdade pode representar o sofrimento, mas não recriá-lo”, argumenta Gallemi.

As comunidades de Valencia e Murcia, também governadas pelo PP, já iniciaram a tramitação para copiar o processo. Em Extremadura, se estuda medida parecida. Por outro lado, associações ambientais, com o apoio de partidários verdes, estudam copiar a iniciativa catalã na comunidade das Astúrias.
A única comunidade espanhola onde as corridas de touro são as Ilhas Canárias, arquipélago distante da Península Ibérica localizado no continente africano. “As Canárias não servem de exemplo. A proibição chegou dez anos depois das touradas terem desaparecido por morte natural. O objetivo inicial da medida era proibir as lutas de galo, que continuam sendo legais“, informou Luis Corrales, da Plataforma. De qualquer forma, as touradas já foram proibidas nos últimos anos em 80 cidades espanholas, sendo que 71 delas estão localizadas na Catalunha. 

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