sábado, julho 31, 2010

"Fiesta nacional" fora da arena

Catalão (língua) já demarca região do resto de Espanha. Agora são também os touros.

Há apenas um mês, no final de Junho, as forças nacionalistas catalãs levavam um duro golpe com a anulação, por parte do Tribunal Constitucional espanhol, de alguns dos itens incluídos no Estatuto da Catalunha. Em causa estavam sobretudo o preâmbulo do texto que define a Catalunha como uma nação -declarado sem eficácia jurídica- e o artigo que determinava o catalão como língua 'preferencial' em órgãos públicos e meios e comunicação -anulado.

Entretanto, a vitória de Espanha no Campeonato Mundial de Futebol parecia ter alcançado a proeza de unir espanhóis de todos os pontos do país e arrefecido os movimentos nacionalistas. "Desde a Guerra Civil que não se via tantas bandeiras pelas ruas", titulou o El País durante o mundial da África do Sul, e até na Catalunha as bandeiras de Espanha começaram a assomar, embora timidamente, às janelas. Coisa até aí difícil de imaginar. O facto de sete dos jogadores da Selecção serem naturais da Catalunha terá contribuído para a adesão à vitória da "Roja" mas, mesmo assim, muitos mantiveram-se afastados dos festejos, afirmando serem "catalães e não espanhóis".

Quanto à aprovação da lei que proíbe as touradas na Catalunha, reacendeu as clivagens relacionadas com o nacionalismo catalão. Embora a medida tenha partido de uma iniciativa de cariz popular, o certo é que foi viabilizada com o apoio do partido independentista catalão Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) e com os votos de 32 dos 48 representantes do partido nacionalista moderado Convergència i Unió (CiU).

Na arena política não se fizeram esperar as vozes que encostaram a aprovação da lei ao sentimento anti-espanhol, defendendo que a proibição das corridas pouco tem a ver com a necessidade de defesa dos animais, mas está antes ligada à vontade de afastamento daquela que é a mais simbólica tradição em Espanha, conhecida aliás como a "fiesta nacional". Para a presidente da Comunidade de Madrid, conhecida defensora das corridas, a medida "não tem nada a ver com os maus tratos aos animais, nem com a protecção ao meio ambiente". Mas visa sim "quebrar os laços entre a Catalunha e Espanha". Também Jaime Mayor Oreja, eurodeputado pelo PP reagiu violentamente, ao afirmar que esta é "uma ofensiva nacionalista, uma provocação e uma vingança" para com o resto de Espanha.

Os argumentos relativos ao sofrimento do animal ficaram, assim, praticamente eclipsados pelas questões nacionalistas e de identidade catalã. Os defensores dos animais lamentaram, por isso, ver a disputa política sobrepor-se ao debate moral.

De resto, para garantir a aprovação da lei, foi necessário introduzir uma excepção para permitir as correbous, uma tradição taurina popular nas festas do sul da Catalunha. "Também deveria ser proibido. Seria mais consistente", argumentou Salvador Giner, presidente do Instituto de Estudos Catalães e defensor da proibição das touradas, citado pelo diário catalão El Periódico.

Na prática, a Catalunha está a proibir a realização de um espectáculo que já vinha a sofrer um desinteresse progressivo de público nos últimos anos. A única praça onde se mantinha a organização de corridas de touros era a Monumental de Barcelona, que conta actualmente com apenas 400 'lugares cativos', ao passo que As Ventas, em Madrid, conta com cerca de 19 mil.

Numa altura em que se aproximam as eleições regionais na Catalunha -agendadas para o Outono- o debate em torno do nacionalismo ganha outro fôlego. É certo que nem todos os catalães defendam a independência face a Espanha, mas o afastamento cultural da região relativamente ao resto do país é notório, sendo a língua catalã o principal elemento diferenciador. Agora, também os touros o são.

Fonte: JN

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